Criação da Ebserh revela descompromisso do governo federal com o SUS



DSC01013



Professora Iara Cristina traça reflexão sobre desafios da política de saúde no Brasil

(Foto: Gerson Jara/ADUFMS-Sindicato)

A política de terceirização dos hospitais universitários, por meio da criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), revela a tentativa política desmonte do Sistema Único da Saúde – SUS. A decisão também de se transformou numa aberração jurídica, alerta a professora do curso de Enfermagem na UFMS, doutora Iara Cristina Pereira, na Aula Pública “O Sistema Único de Saúde no contexto da privatização: um diálogo necessário”, ministrada na sexta-feira (04-09).

A criação da Ebserh foi inspirada num modelo do hospital das Clínicas de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul. Concebida para ser excelência no atendimento à população em saúde pública como hospital universitário exibe uma profunda contradição. De acordo com levantamento do Centro Acadêmico de Medicina “Dr. Augusto César Leite”, entre 2002 e 2010, 95,3% do atendimento da unidade foi direcionado para convênios e apenas 18,3% do SUS. No caso de cancelamento dos procedimentos os pacientes da porta SUS ficam sem 20,09% e particular 13,4% .

Mesmo com o aporte significativo de investimentos federais, os usuários do SUS ficam na fila de espera no Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Do orçamento de mais de R$ 474 milhões em 2009, R$ 319 milhões (67%) foram provenientes do MEC, R$ 102 milhões (21%) do SUS e R$ 30 milhões (6%) de outras fontes oriundas de órgãos públicos (financiamento de pesquisa, bolsas para residências, entre outros). Os valores expressão o desvio de finalidade da instituição como rede de atendimento pública.

Para agravar o quadro, os demais hospitais universitários enfrentam situações semelhantes: pessoal insuficiente, redução de leitos de alta complexidade para a rede SUS, mesmo sendo responsáveis nos estados pela maioria dos atendimentos, inclusive transplante e neurocirurgias. O modelo em vigor também aumenta a terceirização, é mais suscentível a ingerência política, o que põe em risco o concurso público como forma de acesso a carreira dos profissionais de saúde,  ameaçando a instabilidade no emprego e o caráter de indissociabilidade entre  ensino, pesquisa e extensão nos hospitais universitários.

Para Iara Pereira o SUS passa por um problema de subfinanciamento crônico. Bem aquém da necessidade de atendimento da população. Mesmo a Constituição determinando no artigo 196, que o atendimento a saúde é direito do cidadão e dever do Estado, 36% dos leitos do SUS são públicos 64% são de instituições particulares, sendo o segundo mercado mundial na comercialização em planos de saúde. Em 2011. o gasto público com saúde chegou a 45,7%, enquanto o setor privado atingiu 54,3%.

Mesmo com a carga tributária chegando a 41,7% de impostos diretos e indiretos em 2014, no retorno em qualidade de vida o Brasil ocupa a 30º posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), conforme o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. Em comparação ao PIB, o investimentos são insuficientes. No Brasil foi de apenas  4,0%  em 2009,  percentual é abaixo do Reino Unido, Alemanha, Espanha, França, Canadá em 7,0%, países com melhores indicadores de qualidade e ficando bem aquém de Cuba: 12%.

Além da falta de prioridade orçamentária, o Sistema Público financia o privado, mesmo a Constituição determinando o último é apenas complementar. Tal situação reflete a disputa histórica presente nos dois modelos antagônicos da reforma sanitária e privatista, com este ganhando espaço nos últimos anos. “Temos modelo socialista de saúde pública dentro dos marcos de uma sociedade capitalista. Como consequência, o modelo brasileiro de atendimento ao usuário vive uma disputa com o modelo privado”, explica a pesquisadora.

O embate reflete a concepção do SUS, pública, de caráter social, com a concepção saúde-doença,  do cuidado em saúde, biomédica, anatomopatológico, mecanicista e mercantilista, de aspiração neoliberal e que acaba beneficiando grandes laboratórios e empresas de tecnologia que operam neste segmento, influenciando na formação de nos profissionais da área, retroalimentando a indústria da doença.

Um exemplo do avanço privado no atual Governo é a publicação da Lei 13.097/15 que permitiu de investimento estrangeiro no setor e que contrariam as orientações do SUS e de suas instâncias,.
Mesmo o Brasil sendo o único país do mundo que tem uma rede de saúde gratuita e aberta a toda a população vê o mercado (convênios e consultas particulares) gastar mais dinheiro do que o Estado.


Demanda alta e baixa investimentos

Conceitualmente, o SUS teria que ser organizado de forma descentralizada, hierarquizada, regionalizada e contemplando a participação popular. As instâncias serviriam de orientação política coletiva, com base nas resoluções deliberativas das conferências municipais, estaduais e nacional.

No entanto, este modelo carece de prioridade orçamentária, sendo solapado em benefício da saúde privada. Mesmo com as carências provocadas pela má distribuição de renda,  a fatia estatal representa de investimentos  é de  3,7% do PIB, um terço mais baixo do que a média internacional, de 5,5% do PIB, de acordo com a OMS. Já as despesas são de 8,4% do chamado produto interno bruto (PIB), na linha com a média global, de 8,5% anuais, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Acontece, porém, que no Brasil, 55% dos leitos são privados (e beneficiam cerca de 46 milhões de conveniados) e 45%, públicos – favorecem todos os 190 milhões de brasileiros.

Mesmo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo em comparação a outros países como mesmo potencial econômico, a União se exime de dar sua contrapartida nos investimentos, congelamento a tabela de procedimento do SUS e deixando as contas para prefeituras e os estados, além de implantar mecanismos para driblar os investimentos, com a DRU (Desvinculação das Receitas da União), o que desobriga de garantir o financiamento necessário para o SUS.

A política do Governo Federal respaldada pela maioria parlamentar no Congresso Nacional, com grupos de pressões fortes em defesa da privatização do setor incentivam a priorização de parcerias com OS (organizações sociais), Oscip (organizações sociais de interesse público), PPPs (parcerias público-privadas) e outras denominações.

A ingerência política do sistema privado também põe em choque o compromisso estatal na ampliação de investimento na saúde e controle social do SUS, contrariando as deliberações democraticamente discutidas nos fóruns e conferências, principalmente da 8ª Conferência Nacional “Democracia Saúde e Participação Popular”, inspirada no modelo concebido pelo médico Sérgio Arouca com base em experiência em Cuba e na Nicarágua.

Para reverter a situação a docente defende a retomada dos cidadãos e ações organizadas junto aos poderes estabelecidos para que garantam prioridade política e orçamentária no fortalecimento do sistema público por meio do Fórum Nacional em Defesa do SUS e Contra a Privatização, da qual o Andes e as entidades profissionais de saúde fazem parte.



Assessoria de Imprensa da ADUFMS-Sindicato