Docente da UFMS alerta para guerra de desmonte do SUS no Brasil







Pesquisador Rivaldo Cunha defende investimento em sistema de esgotamento como meio de prevenir doenças

– foto: Norberto Liberator

O médico infectologista e diretor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Mato Grosso do Sul, professor titular da Faculdade de Medicina (Famed) na UFMS, Rivaldo Cunha Flores, disse que é possível haver guerras biológicas, mas que “talvez piores sejam as guerras provocadas por interesses de grandes potências como os Estados Unidos, que bombardeiam todo o sistema público – abastecimento, hospitais, redes de esgoto, escolas”. Reclamou ainda que o fechamento da Farmácia Popular foi um prejuízo imenso e representou mais um ataque à população pobre do Brasil.

A avaliação aconteceu na palestra, “Desafios da saúde pública: movimentos antivacina e controle de epidemias”, ministrada na última quarta-feira (24), a partir das 19h, no salão de eventos da

ADUFMS Seção Sindical

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De acordo com o professor, o maior problema de saúde pública no Brasil é a violência. Afirmou que entre 65 mil e 70 mil pessoas foram assassinadas no Brasil em 2018 e cerca de 60 mil morreram em acidentes de trânsito. “A maioria é de trabalhadores, basta notar os horários em que ocorrem esses acidentes”, apontou.

Cunha reiterou que devemos defender o Sistema Único de Saúde (SUS) e que os principais atendimentos da rede pública não têm origem em problemas de saúde. Segundo ele, a depressão e a hipertensão arterial, representam boa parte das assistências, comumente causadas por estilo de vida, estresse, desemprego, trânsito e poluição. Indicou que de 20% a 25% dos brasileiros jovens apresentam quadro depressivo e que, entre a população com mais de 50 anos, quase 50% foram diagnosticados com hipertensão.

De acordo com o professor, a

chikungunya

não teve a atenção que merecia no momento em que os casos começaram a surgir, em 2009, embora os especialistas da área da saúde já apontassem o problema. “Eu falava tanto disso, que os alunos me apelidaram de ‘Professor Chikungunya’”, afirmou em tom de brincadeira. Ele acredita que a epidemia de doenças causadas pelo mosquito

Aedes aegypti

não serão resolvidas apenas com vacinas e que “é preciso criar uma cultura de preservação”.

Faz-se necessário, segundo Cunha, que o sistema de água tratada e a rede de esgoto sejam aperfeiçoados. O professor apontou a ligação existente entre a crise hídrica e a falta de abastecimento regular, que leva a população armazenar água em qualquer lugar para garantir que não haverá falta. “Há uma ausência de políticas de comunicação,  conversar com a população sobre isso, só se faz campanha em momentos específicos e não durante o ano todo”.

A violência urbana foi outro fator indicado, pois “em poucos países há tantos lugares inacessíveis ao Estado, como áreas controladas pela milícia ou tráfico, nas quais é preciso autorização para entrar”. Ele afirmou que o Brasil sofre de problemas de saúde em vários aspectos: pública, mental, da sociedade e da economia; e que, com a reforma da Previdência, a tendência é o aumento dos problemas de saúde relacionados a estresse, cansaço ou esforço excessivo.

Além das questões relacionadas à saúde pública, Cunha também falou sobre a defesa do ensino superior público e gratuito. “A universidade deve ser local de debate. Professores trabalham muito, não se faz balbúrdia por aqui e sim pesquisa, trabalho”. Indicou que “tão ou mais importante quanto não haver cortes na educação, saúde e tecnologia, é haver crescimento econômico e social, com responsabilidade ambiental e de saúde pública”.

Após a explanação, os espectadores perguntaram sobre a queda nos índices de vacinação. Cunha respondeu que “o problema de baixa taxa de vacinação é muito mais devido à falta de manutenção do que a movimentos antivacina”. Lembrou que as campanhas no Brasil historicamente tiveram sucesso, junto às de combate ao tabagismo e a doenças sexualmente transmissíveis (DST).

O docente afirmou que o sistema privado avança, mas “há muita coisa que só o setor público vai lidar porque não gera lucro”. Ele apontou que cerca de 80% dos medicamentos contra a febre amarela no mundo são produzidos pela Fiocruz. “Grandes empresas não vão querer patente de doenças não lucrativas”. De acordo com o professor empresas privadas “barateiam remédios para estrangular a indústria pública e, depois de feito, jogam o preço lá no alto”.

Esclareceu que as “políticas de habitação popular também são importantes e têm sido deixadas de lado pelo governo federal” e defendeu “um sistema de saúde que trate os desiguais de forma desigual, adaptada às necessidades específicas de cada comunidade e grupos sociais”. Propôs a criação de grupos de apoio entre amigos ou colegas de faculdade e trabalho para que as pessoas desabafem, sejam orientadas a procurar ajuda profissional e não se isolem.



Norberto Liberator