Instituto de Biociências pública moção de repúdio à Palestra sobre design inteligente no “INTEGRA UFMS”

O INBIO (Instituto de Biociências da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) convoca a todos os docentes interessados para assinatura da Moção oficial na Plataforma sei.ufms.br . Número do Processo: 23104.027249/2020-51

Confira o texto da moção abaixo na íntegra: 

MOÇÃO

            Na manhã desta última segunda-feira, 5 de outubro de 2020, a comunidade acadêmica da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) foi surpreendida pelo anúncio de que a palestra de abertura do INTEGRA 2020 seria proferida às 10h pelo Prof. Marcos Eberlin, cujo título é “A viabilidade da evolução à luz da Química”. A palestra foi transmitida via canal oficial da Universidade no YouTube e está disponível nesta mesma plataforma (https://www.youtube.com/watch?v=gs8ul8HqTos&feature=emb_logo&ab_channel=TVUFMS). Marcos Eberlin é ex-professor da UNICAMP e atualmente é diretor do Núcleo Discovery da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Eberlin é um notório defensor do “Design inteligente” e comumente faz palestras sobre o tema em universidades, muitas delas públicas, ao redor do Brasil.

      A ideologia do Design inteligente adquiriu várias roupagens ao longo da história. Um marco decisivo ocorreu em 1987 quando a Suprema Corte dos EUA foi taxativa em afirmar que o Estado é laico, que criacionismo é uma teoria religiosa, e que escolas públicas são proibidas de ensinar criacionismo como “alternativa” à Teoria da Evolução Biológica (Forrest 2013). Depois desta derrota, criacionistas desenvolveram a ideia do “Design inteligente” para tentar dar uma roupagem científica ao criacionismo e tentar passar novamente uma lei obrigando o seu ensino em escolas públicas (Scott & Matzke 2007). Novamente não foram bem-sucedidos. Hoje é consenso que “Design inteligente” é uma ideologia pseudocientífica e falaciosa que tenta explicar a origem da vida e evolução orgânica, mas que não fornece predições testáveis e que, portanto, não pode ser falseável (McIntyre 2019). Logo, segundo este critério ela não pode ser considerada uma ideia válida cientificamente.

            Em nenhum momento a comunidade acadêmica da UFMS foi consultada nem tampouco informada sobre o convite feito ao Sr. Eberlin. Portanto, os servidores abaixo assinados vêm a público manifestar o seu total e profundo REPÚDIO à palestra proferida na abertura de um evento científico que deveria contribuir para divulgar ciência, tecnologia e inovação e não ideias pseudocientíficas para o público constituído principalmente por estudantes do ensino fundamental, médio e superior. A mera divulgação desse assunto em meio acadêmico, ainda mais numa instituição pública cujo orçamento é custeado por pagadores de impostos, nos parece bastante temerária, revoltante e inaceitável! A repercussão deste evento já está péssima em redes sociais e na mídia eletrônica local e nacional. Tal fato é uma afronta contra a comunidade acadêmica da UFMS que tanto preza por sua reputação, por ser uma IES de referência no Estado do Mato Grosso do Sul.

           A teoria evolutiva tem sido atacada por motivações religiosas e com base em concepções errôneas sobre ciência, incluindo a de que evolução por seleção natural seria “apenas mais uma teoria”. No entanto, os conceitos evolutivos básicos, em especial a ideia de seleção natural, estão presentes em diversos aspectos da sociedade. Aspectos evolutivos ligados à epidemiologia mudaram a forma como vemos a evolução das relações entre patógenos e hospedeiros, permitindo entender o aumento da resistência aos antibióticos e elucidar a origem e propagação de doenças, como o HIV, ou mesmo, a COVID-19. Somado a isso, doenças autoimunes, o câncer, o envelhecimento, a obesidade e a saúde mental são alvos de pesquisas à luz do processo evolutivo. O progresso das sociedades modernas também dependeu da seleção de espécies vegetais e animais, imitando o processo de seleção natural. A explicação científica para a origem e evolução da vida na Terra baseia-se em um sólido conjunto de evidências e fatos que têm, entre outros atributos, legitimidade e enorme valor prático. Não podemos permitir contrapor ciência com pseudociência.

           Neste sentido, requeremos do comitê de organização do evento e da Reitoria explicações sobre o ocorrido. Especificamente, quais as razões de se promover uma palestra com conteúdo pseudocientífico, dando destaque na abertura de um evento cujo objetivo é divulgar Ciência, Tecnologia, Inovação e Empreendedorismo? Faz-se mister enfatizar que não somos contra o diálogo ou o debate justo de ideias. No entanto, debate de ideias pressupõe que os dois lados estejam em pé de igualdade, ou seja, os dois lados concordam sobre a natureza da realidade e têm as mesmas oportunidades de exposição de ideias. Este não é o caso de uma ideologia que se utiliza de artifícios rasteiros para dar uma roupagem científica às ideias criacionistas (Forrest 2013, McIntyre 2019) e que defende apenas a visão de um único grupo religioso. Em outras palavras, sem embasamento científico, as ideias do Design inteligente são apenas mais uma forma de pseudociência, uma tentativa de usar um arcabouço científico para validar uma visão religiosa fundamentalista.

          Faz-se ainda necessário lembrar que segundo os artigos 5º e 19º da Constituição Federal, o Estado Brasileiro é Laico e, portanto, não pode favorecer um grupo religioso específico. Tampouco trata-se de diminuir o papel das religiões (no plural) na nossa sociedade. O que os defensores do “Design Inteligente” desejam é confundir o debate público em nome de uma agenda escusa e totalitária que não preza pelos princípios do Estado de Direito e da República. Isso não podemos e não vamos aceitar! A UFMS adquiriu respeito e admiração nacional pela excelente condução da Reunião Anual da SBPC em 2019. Que as partes envolvidas na organização e promoção desta palestra nos deem um retorno técnico satisfatório a esta afronta à instituição e sua comunidade, antes que ela caia em descrédito.

Breve lista de referências

Forrest, B. (2013). Navigating the landscape between science and religious pseudoscience. Pigliucci & Boudry (Eds.) Philosophy of Pseudoscience: reconsidering the demarcation problem, p. 263-283. Chicago: University of Chicago Press.

McIntyre, L. (2019). The scientific attitude: defending science from denial, fraud, and pseudoscience. MIT Press.

Scott, E. C., & Matzke, N. J. (2007). Biological design in science classrooms. Proceedings of the National Academy of Sciences 104 (suppl 1), 8669-8676.

Campo Grande-MS, 07 de outubro de 2020.

Instituto de Biociências – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul