Movimento estudantil da UFMS tem história de luta contra privatização

A luta contra o processo de privatização das universidades públicas no final da década de 1980 e início dos anos 1990 era o principal desafio do movimento estudantil da UFMS. O Ministério da Educação (MEC) estava sob comando de Marco Maciel e depois sob a batuta do economista Paulo Renato Costa Sousa*, ministro do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), governo de inspiração neoliberal. As reformulações apresentadas para o ensino superior estavam contidas no Relatório Final da Comissão Nacional para Reformulação da Educação Superior, publicado pelo MEC em novembro de 1985, o Relatório do Geres (Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superior, de setembro de 1986) e anteprojeto de lei (outubro de 1986) sobre esse assunto.

Durante os oito anos do Governo FHC, o movimento estudantil da UFMS construiu o Movimento SOS Universidade, em parceria com docentes e técnic@s administrativ@s. Era período de salários congelados, sem reposição de vagas na docência, falta de investimento na ampliação do ensino superior e tecnológico. O último inclusive sofreu as consequencias de decreto do ex-ministro da Educação Paulo Renato, que proibia sua expansão em todo o País.

O processo de privatização da educação acordado por FHC na Carta de Intenção firmada junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI), até hoje norteando a política neoliberal do Pais, só não avançou em razão de sucessivas greves e caravanas a Brasília organizadas pelo Sindicato Nacional dos Docentos das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), UNE (União Nacional dos Estudantes) e pela Fasubra Sindical (Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições Públicas de Ensino Superior do Brasil). A pressão se concentrava no Congressso Nacional onde foi formada a Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Públicas.xxx

Mesmo com direções simpáticas ao Partido dos Trabalhadores (PT) e ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) na condução do movimento estudantil na UFMS, em 1988 houve a ruptura na tradição de esquerdia, com o Diretório Central das e dos Estudantes (DCE-UFMS) sendo comandado por jovens ligados a União Democrática Ruralista (UDR). A oposição feita pelo Movimento SOS Universidade, de esquerda, reconquistou o comando da entidade no final de 1989. A principal crítica era que a antiga direção era ligada à reitoria e não discutia politicamente as grandes questões pela qual passava a universidade pública brasileira.

A professora Eliany Salvatierra Machado esteve à frente do Centro Acadêmico do Curso de Artes Visuais, e depois integrou a direção do DCE. Atualmente é professora do Departamento de Cinema e Vídeo do Instituto de Arte e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (IACS-UFF). Ministra as disciplinas Fundamentos da Arte-Educação e Pesquisa em Cinema e Vídeo. A pesquisadora compõe o quadro de professor@s do PPGCine (Programa de Pós-graduacão em Cinema e Audiovisual da UFF).

Considera a participação

no movimento estudantil da UFMS como essencial na base da sua formação. “As vezes acho que me formei no movimento estudantil do que na minha graduação em artes, porque me envolvia mais nas discussões”.

Conta que participou desde os primeiros momentos que entrou no curso de graduação. Levava a discussão sobre a cultura e atuava na organização de eventos culturais. Lembra que era um contrassenso na tradição presente na época, pois boa parte dos alunos gostavam de festas de peão de boiadeiros, de exposição agropecuária. “Nós queríamos apresentar uma outra forma de cultura, que não fosse somente a cultura do boi”.

Com base nesta proposta, Eliany Salvatierra conta que o DCE organizava atividade cultural “Pôr Sol”. Trazia artistas e apresentações nos espaços da UFMS. Dois anos depois houve a construção da Concha Acústica. No espaço, havia teatro e amostras de artes, entre eles destaca o evento Tributo a Raul Reixas, em parceria com o mestre Adílson da Costa Oliveira e apresentação do Cinema de Bolso. “A intenção era mostrar outras formas de produção artísticas que existiam.”

A partir do movimento estudantil, a docente menciona que “começou a pensar a formação em artes, o que era cultura, produção artística, a forma de disseminação das notícias e da informação. Era muito próxima ao pessoal de jornalismo. Estabeleci contatos com a Executiva Nacional dos Estudantes, em particular o coordenador Francisco Rui Lobo. Discutíamos sobre a necessidade de democratização dos meios de comunicação e as formas de concessão de rádio e TV no país. Isto em torno de 1991. A gente se organizava em pequenos grupos para pensar nossa atuação na UFMS. Lembrou que abríamos a reunião com uma análise de conjuntura.”

A então dirigente entrou “no movimento estudantil de graduação da UFMS e depois da pós-graduação na USP. Naquela época ressalta que já enfrentava o fantasma da privatização das universidades públicas. ”Eu ainda tem um encarte que fala sobre das universidades rumo ao ano 2 mil. Era o projeto neoliberal, ainda bem que logo em seguida um novo governo assumiu e uma outra proposta politica também.

Resgata que participou de duas gestões do DCE. Formou-se no ciclo de quatro anos e por meio do DCE conheceu o MST (Movimento Sem-terra). Participou do projeto “Pés no Chão”. “Era o espaço para pensar a extensão universitária e qual o seu papel. Fui nos assentamentos, recebemos a caravana do MST na UFMS. Tive contato com as lideranças como Egídio Brunetto (

in memorian)


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então dirigente internacional do movimento. Passamos por um longo período de greve. Então me apaixonei pelo MST e a proposta do movimento para a sociedade”.

Pelo Movimento Estudantil teve contato também com a Associação Kagualteca e se aproximou da luta pela demarcação das terras indígenas. Conheceu as aldeias de Dourados. “Daí comecei minha militância sobre a questão audiovisual e a questão indígena”.

Conheceu a UNE pelo Movimento Estudantil e as formas de organização existentes na época. “Envolvia a discussão com lideranças sobre o projeto de universidade que eu queria, o tipo de sociedade e mundo que eu defendia. Eram reuniões importantes que fazia a gente pensar. Lembrou que de forma paralela o movimento estudantil atuava na luta pela qualidade no bandejão do RU (Restaurante Universitário) e contra a transferência de alunos de Medicina de faculdades particulares para UFMS. Chegamos a fazer uma passeata com quase 300 alunos da Medicina. Os alunos discutíam a importância do curso com enfoque na prevenção, holístico, que olhasse para o ser humano e não fosse apenas voltado para o mercado, na especialização, na cura, sem olhar o todo do ser humano.”

Outro ponto positivo de participação do movimento estudantil para Eli ante Salvatierra foi a constituição de amizades que duram até hoje. “Casei dentro do movimento estudantil e com o movimento estudantil. Na USP organizamos o movimento estudantil na pós-graduação. Atuava na Associação de Pós-graduandos com representante discente nos colegiados e . Levávamos a discussão e o movimento pela Moradia Estudantil.”.

A representação discente nos fóruns da UFMS era também preocupação do movimento estudantil. Resgata que foi desencadeado o processo de Estatuinte, que poucas universidades retomaram a discussão. Questionava também a composição nos colegiados e pensar sua formas de representatividade, sistema de votação, democracia interna nas universidades. “Atuamos também na discussão em torno do sistema de governo: parlamentarismo e presidência lismo. Eram discussões ricas, complexas, profundas e profícuas. Senti a falta na pós-graduação. Ao entrar na UFF descobri o que é pensar a universidade a partir do ponto de vista da educanda, para a educadora, enquanto docente. Em razão disso tenho dificuldade de identificar com o movimento sindical docente, mas converso com os meus alunos sobre a importância do movimento estudantil que no meu curso desarticulado e esvaziado.

 

* À época em que Paulo Renato foi ministro o nome da pasta era Ministério da Educação e do Desporto (MEC).



Assessoria de Imprensa da ADUFMS-Sindical