O financiamento da educação universal e de qualidade


1. Introdução

No mês de julho deste ano de 2013 publiquei texto intitulado “O financiamento da Educação Universal e de Qualidade: propostas para a CONAE 2014” (ver bibliografia) no qual, com o objetivo de elevar a destinação de recursos para a educação, indiquei as seguintes fontes: elevação das vinculações constitucionais (União, DF, Estados e Municípios) e utilização das riquezas advindas da exploração do petróleo e derivados.

Registrei, ao mesmo tempo, que o montante adicional resultante não seria suficiente para alcançar os 10% do PIB anuais, conforme necessário, sugerindo a análise posterior das seguintes alternativas: royalties sobre a exploração mineral; taxação sobre movimentação financeira; taxação sobre transações em bolsas de valores e imposto sobre grandes fortunas – dentre outras.

Neste artigo passaremos, portanto, a discutir concisamente essas possibilidades.

Antes disso, contudo, há que assinalar a necessidade urgente de uma reforma tributária no Brasil. Esse é um debate difícil, pois pressupõe um forte enfrentamento com os detentores de largas parcelas da riqueza nacional – sejam elas provenientes de processos de acumulação comerciais, industriais, agrários ou financeiros – e, dessa forma, o sucesso em alcançar uma incidência mais justa dos tributos depende da construção de uma correlação de forças que assim o permita.

O fato é que, nos dias de hoje, os impostos incidem muito mais sobre o consumo do que sobre a renda, sobrecarregando de forma absolutamente injusta a população mais pobre.

Os números no Brasil são os seguintes (de acordo com a Folha de São Paulo, caderno Mercado, página B7, de 2 de junho de 2013): imposto sobre a renda, 21%; imposto sobre o consumo, 44%; contribuições sociais, 26%; imposto sobre a propriedade, 6%; e outros 3%. Enquanto isso, nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a média do imposto sobre o consumo é 33%. Nos EUA, o perfil é o seguinte: imposto sobre a renda, 44%; imposto sobre o consumo, 18%; contribuições sociais, 23%; propriedade, 12%; outros 3%. No Canadá, a distribuição é similar: imposto sobre a renda, 47%; sobre o consumo, 24%; contribuições sociais, 16%; propriedade, 11% e outros 2%. Isso significa que, no nosso País, cobramos mais do que o dobro de impostos sobre o consumo do que países como os EUA e o Canadá, enquanto que taxamos a renda em menos da metade dos respectivos percentuais.


2. Royalties sobre a exploração mineral

Apresentamos inicialmente uma breve descrição dos valores dos royalties cobrados no Brasil sobre a exploração mineral, bem como uma comparação com o que ocorre em alguns outros países.

Os royalties sobre a exploração mineral, que têm caráter indenizatório (e não tributário, portanto) são previstos no artigo 20 da Constituição Federal de 1988 e regulamentados pela Lei nº 8001, de 13 de março de 1990, que estabelece a CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais).

A distribuição da CFEM é a seguinte: aproximadamente 65% para os municípios produtores; 23% para os estados produtores; dos 12% restantes, 2/3 vão para o DPNM (Departamento Nacional de Produção Mineral) e 1/3, em partes semelhantes, para o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e para FNCT (Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia).

Alguns dos percentuais relativos aos royalties são: ferro, 2%; alumínio, 3%; manganês, 3%; carvão mineral, 2%; ouro, 1%; e pedras preciosas, 0,2% (para maiores detalhes, consultar

Sete respostas sobre royalties do minério



).

Uma comparação com outros países mostra que esses números são excessivamente baixos, constituindo um ponto fora da curva no cenário mundial. De fato, no Canadá, as taxas variam de 3% a 9% da receita bruta e líquida das mineradoras, sendo a diferença estabelecida de acordo com os recursos minerais, o teor da jazida e o retorno do capital. Nos Estados Unidos, a variação vai de 5% a 12,5% da receita bruta das empresas, dependendo do mineral e do tipo de propriedade; vale a pena mencionar que 50% os recursos vão para o município produtor, 40% para os cofres do governo federal e 10% são destinados a ‘Fundos de apoio’ a povos indígenas. Já na Austrália, o país que mais produz minério de ferro no mundo, em 2012 houve um reajuste nos royalties, que hoje equivalem a 30% do lucro bruto das mineradoras.

Registre-se que está em discussão no Congresso Nacional um novo Código de Mineração (ver detalhes na matéria

http://oglobo.globo.com/economia/estados-travam-disputa-bilionaria-por-minerios-8703271

, de 15 de junho de 2013), cujo teor consta de Projeto de Lei enviado pelo Governo; segundo a proposta, será elevada a alíquota da maior parte dos minérios – os royalties sobre o minério de ferro, por exemplo, subiriam de 2% para 4%. Se aprovado esse PL a CFEM iria de R$ 1,8 bilhões, que foi o montante apurado em 2012, para R$ 4 bilhões. Ou seja, o valor arrecadado subiria dos atuais 0,05% do PIB para 0,1% do PIB.

Essa elevação é, além de tardia, muito tímida, pois por padrões internacionais a CFEM deveria subir para percentuais que dessem um retorno da ordem de 0,25% do PIB, anualmente. Essa demanda pode – e deve – partir da sociedade civil, com proposta de que o valor adicional (em relação à arrecadação atual) de 0,2% do PIB seja destinado à educação, como sugere o Documento Referência da CONAE 2014.


3. Taxação sobre movimentação financeira

A CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) foi extinta em 2007. Nesse ano, rendeu 36,5 bilhões, o que equivaleu a quase 1,4% do PIB daquele ano, que foi de 2,7 trilhões. Sua reinstituição poderia render às áreas sociais – saúde e educação – percentual similar do PIB.


4.Taxação sobre transações em bolsas de valores

A taxação de movimentação financeira na Bolsa de Valores e das grandes fortunas pode (e na minha opinião, deve) deve ser retomada, como bandeira.

O volume negociado na BOVESPA em 2012 foi de R$ 1,78 trilhões.

Uma taxação de 0,5%, que corresponderia a valor idêntico ao da corretagem cobrada pela própria BOVESPA, renderia 8,9 bilhões / ano, o que ultrapassaria 0,2% do PIB – valores esses que poderiam ser destinados à educação.


5. Imposto sobre grandes fortunas

O Imposto sobre Grandes Fortunas foi inserido na Constituição Federal (CF) de 1988, à custa de acirrados debates. A CF, entretanto, apenas autoriza o Governo a cobrar esse Imposto (Artigo 153, inciso VII), prevendo que uma lei complementar com o objetivo de regulamentar a sua cobrança – o que jamais foi feito.

Várias iniciativas têm sido tomadas no Congresso Nacional nesse sentido. Uma delas é o Projeto de Lei Complementar nº 48/2011, da Câmara dos Deputados, que possibilitaria arrecadação avaliada em R$ 12,88 bilhões de reais / ano, segundo matéria publicada pelo Conselho Nacional da Saúde (ver bibliografia), ou seja, aproximadamente 0,3% do PIB, montante esse que poderia ser, mais uma vez, destinado às áreas sociais. De acordo com essa matéria, mais de 70% dessa arrecadação viria de fortunas superiores a R$ 115 milhões.


6. Conclusão

O texto acima mostra que, somando-se os itens analisados, chegar-se-ia a um valor superior a 2% do PIB, anualmente, a serem destinados às áreas sociais. Os recursos advindos do petróleo e derivados (ver bibliografia) renderiam outros 2% do PIB e a elevação dos recursos vinculados à educação, 1,15% do PIB (idem).

É assim perfeitamente possível, nos próximos anos, dotar o País de uma educação universal, pública, de qualidade e acessível a todos, elevando-se também consideravelmente, ao mesmo tempo, a destinação de recursos para a saúde.

Para isso, será necessário que a sociedade se mobilize fortemente – só assim os privilégios hoje existentes irão ceder lugar a uma nova ordem menos desigual.


7. Referências

– FIGUEIREDO, G.V.R. Reforma universitária e o financiamento público das IFES. Caminhos, n. 23/24, p. 51-92, Belo Horizonte, 2005.

– FIGUEIREDO, G.V.R., Educação Universal e de Qualidade, um Projeto para o Brasil, 2010. Disponível em

http://proifes.org.br/educacao-universal-e-de-qualidade-um-projeto-para-o-brasil/artigo-pne-gil-08-fev-10/

Acesso em 01 de julho de 2013.

– FIGUEIREDO, G.V.R., Todos os recursos do Fundo Social para a educação até 2020, de 21 de janeiro de 2013. Disponível em

http://proifes.org.br/artigo-todos-os-recursos-do-fundo-social-para-a-educacao-ate-2020/

Acesso em 01 de julho de 2013. Publicado também, em junho de 2013, na revista Histedbr.

– FIGUEIREDO, G.V.R., O financiamento da Educação Universal e de Qualidade: propostas para a CONAE 2014. Disponível em

http://proifes.org.br/wp-content/uploads/2013/09/Financiamento-da-Educa%C3%A7%C3%A3o-Propostas-para-a-CONAE-2014.pdf

Acesso em 06 de setembro de 2013.

– Plano Nacional de Educação (PNE) 2001-2010. Lei № 10.172/01. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm

Acesso em 02 de janeiro de 2010.

– CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, Financiamento da saúde: grandes fortunas podem trazer contribuição social. Documento publicado no dia 8 de agosto de 2012. Disponível em

http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2012/08_ago_financiamento_grandes_fortunas.html

Acesso em 02 de setembro de 2013.

* Gil Vicente Reis de Figueiredo/PROIFES-Federação.