Pessoas trans ainda têm dificuldade no acesso ao ensino superior

29 de janeiro é o Dia da Visibilidade Trans no Brasil. A data foi escolhida por ter sido o dia em que um grupo de travestis e transexuais marchou em Brasília para lançar a campanha “Travesti e Respeito”, com objetivo de chamar atenção para a luta desta fração da população, historicamente marginalizada.

A transgeneridade só deixou de ser considerada um distúrbio pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019, a partir da publicação da 11ª Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde (CID). A decisão reforçou a Resolução 1/2018, que orientava profissionais da saúde mental a não tratarem a condição trans como patologia.

Apesar dos casos de violência e dos inúmeros retrocessos, o Brasil é considerado o segundo país com leis mais avançadas na proteção de pessoas LGBTQIA+, de acordo com dossiê da Associação Internacional De Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA). O posto é dividido com Portugal; ambos ficam atrás apenas da República de Malta.

Contudo, na prática, os direitos costumam ser negados. O Brasil segue sendo, pelo 13º ano consecutivo, o país que mais mata pessoas transgênero no mundo. Em 2021, foram 140 assassinatos. Três deles ocorreram em Mato Grosso do Sul, 14ª unidade da Federação onde mais se matou transexuais e travestis.

De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% da população trans têm a prostituição como principal fonte de renda. Já segundo levantamento do Projeto Arco-Íris, iniciativa da ONG AfroReggae, 0,02% cursam o ensino superior, 72% não possuem o ensino médio e 56% não concluíram o ensino fundamental.

A jornalista Paula*, formada pela UFMS e que se identifica como mulher trans, acredita que faltam iniciativas da universidade para incentivar o ingresso e a permanência de pessoas transgênero no ensino superior. “Imagino que algo bom pra começar seria haver mais debates sobre pessoas trans e mais iniciativas de ingresso, como cotas, por exemplo, porque a gente sabe que é muito difícil uma pessoa trans adentrar o ambiente universitário. De todo mundo da universidade que eu conheci, só quatro ou cinco pessoas eram trans, de uma universidade que tem, sei lá, uns 10 mil, 15 mil estudantes”, afirma.

Paula crê que, além de políticas afirmativas, é necessário haver um trabalho de conscientização que chegue a todos os cursos, inclusive aqueles que não costumam ter esse tipo de debate. “Em alguns cursos, eu percebo que existe uma aceitação menor, tanto que dos cursos de ensino em que eu conheço pessoas trans, todos são de humanas. Acho que é necessário trazer palestras para todos os cursos. Tentar introduzir isso no geral, porque a gente vai conviver com todo tipo de pessoa, então essas palestras deviam também ser mais para o público geral”.

A jornalista também afirma que, apesar do ambiente mais aberto, também enfrentou problemas na universidade. “Apesar de haver uma aceitação maior no ambiente universitário, ainda assim não temos a aceitação ideal. Não tem a adesão geral, não só no sentido de tratar com respeito, mas de todo mundo nos vendo como nos identificamos”, explica. “Tive episódios muito chatos na universidade. Um foi com um funcionário, quando eu era um homem cis [abreviação de “cisgênero”, ou seja, quem se identifica com o gênero de nascença], e ele pensou que eu era uma mulher. E outra foi quando eu optei pelo banheiro feminino, por medo de passar por algum tipo de violência no banheiro masculino, e uma colega fez um comentário, questionando por que eu estava no feminino”.

Atualmente, ao menos 12 das 63 universidades públicas do Brasil têm políticas de cotas para ingresso de pessoas trans, de acordo com levantamento da Folha de S. Paulo. A primeira a implementá-la foi a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), em 2018, sob protestos de setores conservadores.

 

Matéria: Norberto Liberator