Apesar da esperança despertada com a chegada da vacina ao Brasil nesse início de ano, o país segue mergulhado em crises e incertezas. As condições de vida se deterioram de forma atroz, em grande medida como consequência de ações e omissões de governantes que insistem em negar a realidade:
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A saúde em colapso, sem estrutura e equipamentos para atender as vítimas da pandemia, que continua fora de controle, e sem acordos que facilitem e garantam a vacina para todos; Desemprego em alta;
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Fechamento de fábricas e de pequenas empresas empresas;
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Renda insuficiente, situação agravada pelo fim do Auxílio Emergencial;
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Destruição do meio ambiente e do patrimônio público;
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Destruição de estruturas garantidoras dos direitos sociais e do trabalho.
O Boletim do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) de Feveveiro de 2021 detalha as questões mais graves do contexto atual, tanto financeiras quanto sociais, e aponta caminhos para o que pode ser feito. Confira abaixo, um resumo do boletim.
Fome e custo de vida devem seguir em alta
A taxa de inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IPCA/IBGE), acumulou 4,52% em 2020. Apenas em dezembro, a alta foi de 1,35%, a mais acentuada para esse mês, desde 2003. Já o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC/IBGE), indicador mais utilizado pelo movimento sindical nas negociações coletivas, encerrou 2020 com elevação acumulada de 5,45%.
Os preços que mais subiram e impactaram a inflação foram os dos alimentos – aumento acumulado de 15,5% no ano, enquanto os preços de itens não alimentícios variaram 2,6%. As maiores elevações foram verificadas no preço do óleo de soja (104%), do feijão (81,4%), do arroz (75,3%) e da batata-inglesa (67,3%).
A partir de 1º de janeiro de 2021, o salário mínimo oficial no Brasil passou a ser de R$ 1.100,00. São R$ 55,00 a mais em relação ao valor de 2020, reajuste de 5,26%, abaixo, portanto, da variação do INPC-IBGE, por determinação do governo federal. O fim da política de valorização do salário mínimo tem levado à perda do poder de compra dos(as) trabalhadores(as) que recebem o piso mínimo nacional, especialmente diante da elevação acentuada no preço dos alimentos.
Nesse começo de 2021, o salário mínimo consegue adquirir pouco mais que 1,5 cesta básica, a menor relação desde 2005. O valor do salário mínimo no Brasil está abaixo da média mundial (US$ 486) e é também inferior ao de países das Américas (US$ 668), considerando a metodologia de paridade do poder de compra, a partir de cálculos da OIT (Organização Internacional do Trabalho)2 .
Consequência da piora nas condições de vida da população brasileira, a fome voltou a assombrar o país. Em apenas três anos, a porcentagem da população brasileira afetada pela insegurança alimentar moderada e aguda cresceu 13%. Segundo o IBGE, em 2016, eram 37,5 milhões de brasileiros(as) que ingeriam menos calorias do que o necessário para uma vida saudável, contingente que subiu para 43,1 milhões, em 2019. Ou seja, o Brasil, segundo maior produtor agrícola do mundo, tem mais de 20% da população em situação de insegurança alimentar.
Ainda segundo a pesquisa, a insegurança alimentar grave, ou seja, quando as pessoas relatam que estão passando fome, atingiu 4,6% dos domicílios brasileiros, o equivalente a 3,1 milhões de lares, onde viviam cerca de 10,3 milhões de pessoas, em 2017-2018. E essas informações referem-se a período anterior à pandemia. Em janeiro de 2021, já não havia pagamento do Auxílio Emergencial, o que significa que cerca de 65 milhões de brasileiros, que receberam parcelas do benefício entre abril e dezembro de 2020, estão agora sem renda.
O número de famílias em extrema pobreza no cadastro único para programas sociais do governo federal alcançou o maior número desde o final de 2014, superando a casa de 14 milhões. De acordo com dados do Ministério da Cidadania, esse total de famílias equivale a quase 39,9 milhões de pessoas em situação de miséria no Brasil, ou seja, são cidadãos com renda mensal per capita de até R$ 89.
O fanatismo ultraliberal em vigor no país fez com que o Brasil caísse cinco posições no Índice de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas, entre 2018 e 2020, passando do 79º para 84º lugar. No mesmo período, o país passou a ocupar o segundo lugar no ranking daqueles com a maior concentração de renda do mundo, atrás apenas do Qatar, e a oitava posição entre os mais desiguais, depois de sete países africanos.
Desindustrialização e desemprego
Antigas mazelas da dependência que caracteriza a economia brasileira também emergem com força em 2021. Menos de um mês após a Mercedes anunciar o fechamento da fábrica em Iracemápolis (SP), a Ford informou que não produzirá mais veículos no Brasil. Há um ano e meio, a montadora já havia encerrado as atividades em São Bernardo do Campo (SP) e, agora, cinco mil postos de trabalho diretos serão extintos em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e, no final de 2021, em Horizonte (CE).
Hoje, são montados no Brasil dois milhões de veículos ao ano, exatamente a metade do que se produzia em 2013, e que correspondem a apenas 40% da capacidade instalada total da indústria automobilística no país. Um elemento estrutural muito relevante, também decorrente da orientação neoliberal, é a desindustrialização em curso desde a década de 1990, acentuada nos últimos quatro anos. Em 2019, a indústria respondia por apenas 22% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro e por 15% dos empregos, enquanto os bens manufaturados eram 83% de tudo o que o Brasil importava.
O setor automobilístico recebeu da União, nos últimos 20 anos, R$ 69,1 bilhões em incentivos fiscais, além da política de desoneração da folha de pagamentos. A Ford é uma das quatro montadoras que mais recebeu recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Foram cerca de R$ 5,5 bilhões em créditos.
As Centrais Sindicais se uniram aos(às) trabalhadores(as) ameaçados(as) pela dispensa, na busca de ações unitárias em defesa do emprego, e denunciam a decisão da empresa. O anúncio da Ford tem motivado a retomada do debate sobre como impedir a desindustrialização e em que bases retomar o processo de crescimento com a presença de um setor industrial vinculado ao desenvolvimento nacional soberano, num difícil contexto de crise global do capitalismo, com dominância do capital financeiro em escala jamais vista.
O Banco Mundial, no recente relatório Global Economic Prospects, estima que a economia mundial sofreu retração de 4,3%, em 2020. Para 2021, o cenário otimista da instituição, considerando a vacinação massiva para limitar o contágio por covid-19 e a permanência das políticas fiscais e monetárias mais ativas por parte dos Estados nacionais, prevê que o PIB global vá crescer 4%. Para o Brasil, a previsão é de 3% de crescimento, em 2021.
As pesquisas setoriais mensais de novembro mostram estabilidade no mês para o comércio (-0,1%), crescimento de 2,6% nos serviços – mas que segue negativo no acumulado do ano – e de 1,2% na indústria. A produção da indústria nacional acumula perda de 5,5%, de janeiro a novembro de 2020, em função do resultado fortemente negativo entre março e abril (-27,1%).
Um dado relevante do agronegócio mostra que as exportações de carne bovina do Brasil alcançaram dois milhões de toneladas em 2020, aumento de 7,5% em relação a 2019. A China foi o destino de 58,6% do volume exportado.
O total de trabalhadores(as) desempregados(as) chegou a 14,0 milhões no trimestre encerrado em novembro, último dado disponível. Houve estabilidade em relação ao trimestre terminado em agosto e aumento de 18,2% em relação ao mesmo trimestre de 2019, Com isso, a taxa de desocupação ficou em 14,1%. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C), do IBGE.
A mobilização dos(as) trabalhadores(as) diante da crise
Apesar da crise sanitária e das dificuldades de mobilização por conta do necessário distanciamento social, o SAG (Sistema de Acompanhamento de Greves) do DIEESE registrou 649 greves em 2020. Houve queda de 42% em relação a 2019. Desse total de mobilizações, 64% foram organizadas por trabalhadores(as) da esfera privada e 30%, pelo funcionalismo público.
Perspectivas para 2021
Aspectos importantes a serem levados em conta pelo movimento sindical para prospectar cenários socioeconômicos e políticos para 2021 estão relacionados com: a crescente insatisfação popular com o descalabro na saúde (panelaços e carreatas têm acontecido em diversas cidades desde meados de janeiro); a perda de renda e poder de compra com o fim do Auxílio Emergencial; a elevada taxa de inflação dos alimentos e o desemprego.
Sob o ponto de vista político, com as eleições nas presidências do Senado e da Câmara, foram quase totalmente reduzidas as chances de abertura de processo de impeachment de Bolsonaro, por crimes de responsabilidade na condução da crise sanitária. Além de ter conseguido eleger presidentes da Câmara e do Senado, Bolsonaro tem aceitação importante, ainda que decrescente, da opinião pública, além de apoio das Forças Armadas. E aposta na manutenção de bons resultados do agronegócio exportador para garantir algum crescimento econômico até as eleições de 2022.
Não por acaso, ao mesmo tempo em que anunciou a intenção de fechar centenas de agências e despedir milhares de bancários(as) em todo o país, o Banco do Brasil decidiu abrir mais 14 unidades especializadas no setor agropecuário, hoje responsável por cerca de 26% da carteira de crédito da instituição .
Considerações finais
Com o desmantelamento de direitos sociais e trabalhistas, de estruturas governamentais e de políticas que permitiram alguns avanços socioeconômicos importantes nos últimos anos, a entrega de patrimônios nacionais, a destruição do meio ambiente, o negacionismo da ciência e da realidade, o patrocínio da morte, por meio da pandemia, o governo Bolsonaro transforma o país em caos.
Ao movimento sindical, que sofre com a regressão e a recessão econômica ultraliberal, cabe seguir resistindo e ousando.
Exatamente como as Centrais Sindicais, em ação unitária, têm feito, ao defender vacinação já para todos; manutenção do Auxílio Emergencial e proteção dos empregos e salários, prorrogando durante a pandemia benefício de R$ 600 e as medidas para pagamento dos salários dos(as) trabalhadores(as) com contrato suspenso ou com redução de jornada de trabalho; implementação de medidas com o objetivo de gerar empregos e renda para os milhões de desempregados/as (retomada das milhares de obras paradas; recuperação imediata dos investimentos públicos em infraestrutura econômica e social etc.); manutenção das campanhas de solidariedade que as entidades sindicais realizam desde março de 2020; fortalecimento da organização sindical e da negociação coletiva, com inovação na organização, nas formas de luta e nas proposições, para uma atuação condizente com os desafios decorrentes das mudanças no mundo do trabalho.
Nesse sentido, vale destacar os acordos de cooperação internacionalista firmados pelas Centrais Sindicais brasileiras com o governo da Venezuela, para fornecimento de oxigênio para Manaus, e com a Federação Nacional dos Sindicatos da China, maior entidade sindical do mundo, para intermediar diálogo com o governo chinês para o fornecimento de insumos à produção de vacina e ajuda humanitária à população da região Norte do país.
Confira o BOLETIM COMPLETO AQUI.