Balanço Das Manifestações De 19 De Junho De 2021

Crédito: Clara Farias / RUA Mato Grosso do Sul

19J, Campo Grande, MS

            Qual a base que ampara um país? Que solo é esse onde se enraíza uma nação? São suas leis? Seu povo? Sua terra? Sua cultura?

            Há um lugar-comum nessa discussão que diz que as leis de um país só serão justas, se houver educação. O povo só se reconhecerá como povo se existir uma educação que permita que esse elemento humano consiga enxergar a si mesmo. O território só será valorizado e protegido por meio da educação que ensine a olhar a natureza não apenas como propriedade. A cultura somente florescerá num terreno fertilizado por uma educação que ensine a importância da identidade.

            A educação, esse lugar-comum! Eis a base que ampara um país. Eis o solo onde se enraíza uma nação.

            Mas a educação é um conceito. Onde podemos encontrar a educação materializada? Nas paredes de uma sala de aula? Na tinta que as recobre, nos seus tijolos? A educação de um país se realiza nos indivíduos. A educação está em cada estudante, em cada aluno que passa a pensar o mundo de maneira diferente porque entrou em contato com o conhecimento.

            São esses estudantes, onde a educação se realiza, o solo fértil onde vem florescendo as manifestações populares em Campo Grande/MS. É nesse terreno onde, a cada manifestação, 29M ontem, 19J hoje, vem brotando e crescendo a vegetação que compõe a grande floresta da democracia.

            Os estudantes universitários e secundaristas da capital saíram das salas de aula e ocuparam as ruas, transformando o asfalto num solo rico em democracia onde, a cada manifestação, nascem novas lutas, novas resistências, novas indignações.

            O direito à vacinação de inúmeros trabalhadores expostos de maneira mais intensa à infecção, a responsabilização do governo pela má gestão da pandemia, que resultou na contabilidade de mais de 500 mil mortos no dia 19 de junho, o direito à renda emergencial para a população mais pobre, exposta à insegurança de moradia e alimentar, a luta contra o desmanche dos serviços públicos, contra a Reforma Administrativa, que resultará num retrocesso para uma administração patriarcal típica do Estado Brasileiro do século retrasado, a luta contra a privatização de serviços essenciais à soberania do País, como o setor energético e os Correios….Todas essas lutas por direitos que amparam a nação, o Estado, a Democracia, estão surgindo nas ruas de Campo Grande, a cada manifestação, em número cada vez maior, porque o movimento mais representante da Educação, o movimento estudantil, está cultivando esse solo democrático onde cada setor, cada sindicato, cada coletivo, cada agremiação, cada movimento social, cada frente popular, pode defender uma das espécies que compõem a grande flora democrática.

            Os estudantes universitários e secundaristas de Campo Grande/MS têm tornado a rua não apenas um lugar democrático, mas um solo enriquecido com ciência e esclarecimento. No meio da maior pandemia do século o movimento estudantil reinventou maneiras de se fazer manifestações. Junto com o MST, ressignificaram a marcha da luta campesina, transformando-a também num símbolo de cuidado coletivo com o outro, garantindo o distanciamento social para evitar a propagação do vírus. Transformaram o uso de máscaras, de um símbolo de anonimato para um símbolo de consciência de proteção coletiva, baseado na ciência. Ao longo das fileiras, os manifestantes estendiam as palmas das mãos abertas e recebiam borrifadas de álcool 70% dos estudantes que compuseram a comissão de biossegurança. As mãos espalmadas, com álcool 70% diziam… “eu estou desarmado, não sou uma arma biológica”.

            Junto com as ações da CUT e outras entidades e movimentos sociais que adquiriram grande quantidade de máscaras PFF2 e álcool 70%, os estudantes puderam garantir que todos os manifestantes participassem do ato com equipamento de proteção individual e com a frequente higienização das mãos.

            Outros estudantes, da comissão de segurança, identificados com coletes verdes fosforescentes, garantiram que a distância entre os manifestantes fosse mantida. As palavras de ordem não eram baseadas na autoridade política, nem na autoridade que decorre da força, mas na autoridade da ciência, do conhecimento científico no qual cada informação, cada orientação transmitida era baseada.

            Toda a comunicação do ato do dia 19 de Junho foi pensada levando em consideração as informações científicas sobre a dispersão de partículas, sobre a transmissão do vírus, sobre a eficiência dos equipamentos de proteção individual, os protocolos de biossegurança. Todo cartaz, postagem em redes sociais, orientações de carro de som, orientação individual dos manifestantes, levaram em consideração o discurso científico.

            Cada estudante de colete, borrifando álcool 70%, explicando a importância do uso de máscara e do distanciamento social, no dia 19 de Junho, representou a importância da Educação de um país, representou a ciência chegando na vida dos cidadãos, propiciando a cada indivíduo escolhas mais seguras e escolhas mais esclarecidas.

            Esses estudantes, espalhados pela multidão, supervisionando as fileiras munidos apenas da autoridade da ciência, permitiram que a Polícia Federal se manifestasse contra o desmanche do serviço público, permitiram que os servidores dos correios se manifestassem contra a privatização da Empresa Pública em que trabalham, permitiram que servidores do Poder Judiciário se manifestassem contra a Reforma Administrativa, permitiram que cidadãos se manifestassem contra uma política de genocídio que resultou em meio milhão de mortes, permitiram que artistas defendessem as manifestações culturais livres de censura, permitiram que passantes gritassem contra o desemprego e a fome que assombram o País.

            Mas além dos estudantes que organizaram o ato, foram importantes os estudantes que encheram as fileiras que cortaram o centro da Capital. Esses corpos, essas vozes, ecoaram e alimentaram lutas que sequer são as suas (ainda!). O movimento estudantil, com sua presença nas manifestações são como as grandes árvores no processo de reflorestamento de áreas desmatadas, que permitem que as novas mudas, de outras lutas, de outros debates, de outras pautas, possam crescer sob a sombra de lutas e movimentos já consolidados.

            Enfim, os estudantes criaram sobre o asfalto de Campo Grande/MS um solo fértil para as mais diversas lutas em defesa da democracia. Esse trabalho incessante do movimento estudantil, com apoio das mais variadas entidades, como a CUT, o MST, Sista, ADUFMS, UNE, UBES, FETEMS, Sindjufe/MS, PDT, PCB, PT, DCEs, Frente Brasil Popular, etc está reflorestando Campo Grande com a flora democrática. A cada ato, esse solo fértil cultivado pelos estudantes mostra mais espécies de lutas brotando, crescendo, lançando folhas, criando ramificações, cada vez mais enraizadas.

            Os estudantes, nas ruas, estão nos ensinando algo de inestimável valor científico e social: Refloresta-se uma democracia como se refloresta uma área desmatada. Plantando uma flora com diversidade e equilíbrio de lutas, protegendo e nutrindo os movimentos sociais que alimentam o solo democrático.

            Há uma floresta a ser recuperada. Uma floresta democrática chamada Brasil, que se enraíza na Educação.

            P.S.: De acordo com o levantamento da organização, ontem, 19J, cerca de 3 mil pessoas foram às ruas da Capital em protesto. Campo Grande/MS registrou em seu último boletim epidemiológico 3.148 mortos por COVID. Havia, nas ruas da cidade, um manifestante para cada óbito pelo vírus.

Henrique Komatsu

Sindjufe/MS