EXORTAMOS A CATEGORIA E A SOCIEDADE A DEFENDER A VIDA! Carta Aberta contra o PL nº 5.595/2020
O Projeto de Lei (PL) nº 5.595/2020 na Câmara dos Deputados (CD), de autoria das deputadas Paula Belmonte (Cidadania/DF), Adriana Ventura (Novo/SP) e Aline Sleutjes (PSL/PR), propôs reconhecer a educação básica e a educação superior, presenciais, como “serviços e atividades essenciais”. O relatório apresentado pela deputada Joice Hasselmann (PSL/SP) e que foi aprovado na CD em 20/4 explicitou diretrizes para um pretenso retorno seguro às aulas presenciais e encontra-se em apreciação no Senado, tendo como relator o senador Marcos do Val (Podemos/ES).
Embora não se possa ignorar que durante o processo de tramitação na CD o referido projeto tenha sido melhor explicitado, parte das “diretrizes para retorno presencial seguro às aulas” que lhe foram acrescentadas nunca foram objeto de preocupação da maioria da(o)s parlamentares que hoje o defendem, sendo que o PL não deixa dúvidas de seu objetivo central é o contrário daquilo que afirma, é obrigar a volta ao ensino presencial a qualquer custo, nos dois níveis educacionais, educação básica e educação superior, valendo-se inclusive da omissão dos ministérios da Saúde e da Educação no tratamento da pandemia de Covid-19 como um problema de saúde pública.
A tática parlamentar utilizada nesta iniciativa merece toda a atenção dos setores democráticos da sociedade, que não podem se deixar iludir pela retórica de pretensa preocupação social. A começar pela inversão conceitual que significa tratar um direito social – o direito à educação – como serviço, como uma atividade essencial sim, mas de acordo com a lógica neoliberal-mercantilista; ou seja, trata-se de caracterizar a educação como mercadoria e, portanto, de sujeitá-la a interesses e prerrogativas do mercado. Desde a reforma do Estado dos anos de 1990 essa empreitada vem sendo construída pelos setores sociais que compõem o bloco no poder do Estado.
Em decorrência da pandemia, tanto a(o)s docentes nas escolas de educação básica como nas instituições de ensino superior adotaram o ensino remoto – apenas e tão somente em caráter emergencial –, devido às exigências sanitárias impostas pela gravidade do contexto. E isso foi feito em absoluto respeito ao direito de todas as pessoas à educação escolar com a melhor qualidade possível no contexto, sendo preciso reconhecer que, sobretudo no setor público, as atividades virtuais têm sido desenvolvidas sem as mínimas condições de trabalho para docentes e também de estudo para estudantes.
É notória a precariedade das instalações escolares (bibliotecas e laboratórios em geral não devidamente equipados e mantidos, quando existem) e a falta de suporte tecnológico, seja de equipamentos, seja de profissionais na área específica, às quais tanto as escolas de educação básica como as instituições de ensino superior têm sido submetidas por sucessivos governos nas três esferas, federal, estadual e municipal. Apesar de tudo isso, é a dedicação de docentes e de servidora(e)s que tem garantido o atendimento do direito à educação escolar, nos dois níveis educacionais.
Tem sido frequente pessoas e representantes de mídias em geral se valerem de argumentos que ressaltam a penalização de estudantes na ausência do ensino presencial, o que é um fato incontestável, sobretudo para os setores subalternizados da população. Contudo, muitas dessas pessoas e órgãos desconsideram o estágio da pandemia informado por instituições científicas que a monitoram e que, frente à sua gravidade, é imperioso salvar vidas e não permitir que elas sejam expostas a maiores riscos, como é a pretensão de obrigar a volta às atividades presenciais. É preciso entender que, enquanto o estágio da pandemia o exigir, o ensino remoto emergencial é a melhor forma de as escolas e as universidades prevenirem a contaminação pela Covid
Os setores sociais que assediam as várias instâncias do Poder Público para que autorizem o retorno às aulas presenciais ignoram o potencial educativo que posturas éticas e democráticas exercem na população. Isto fica evidente, embora pela negativa, no desgoverno propiciado por Bolsonaro-Mourão e também por outras administrações semelhantes. Vale dizer, se as ações governamentais tivessem sido pautadas no acervo científico já disponível, a sociedade teria vivido uma das mais significativas lições de gestão republicana e de probidade administrativa, que faz tudo o que está ao seu alcance para poupar vidas, pois todo o restante pode ser recuperado após a pandemia.
Dois outros aspectos ainda precisam ser considerados. O primeiro deles diz respeito ao fato de que mazelas educacionais perenes, decorrentes de opções ou omissões de governos ao longo do tempo, raramente são denunciadas pelas mídias e nem constituem objeto de crítica por inúmera(o)s parlamentares. Ao contrário, atualmente, várias mídias têm abonado ações governamentais potencialmente genocidas, assim como o fazem parlamentares de partidos que nunca foram e não são reconhecidos como defensores da democracia.
O segundo aspecto, tão ou ainda mais relevante que o primeiro, refere-se ao fato de que se caracterizada a educação como “serviço e atividade essencial” na legislação, conforme proposto no projeto de lei original e também no seu Substitutivo, ficará muito dificultada a reação de servidora(e)s pública(o)s – docentes e funcionária(o)s técnico administrativa(o)s – às políticas públicas governamentais que julguem inadequadas, como tem ocorrido com grande frequência, por exemplo, nas lutas contra as políticas governamentais de teor privatizante adotadas para as universidades e institutos de pesquisa públicos.
De fato, as atividades consignadas como essenciais na legislação (Lei nº 7.783/1989 e Decreto nº 10.329/2020, que atualiza sua regulamentação) sofrem um maior rigor no que ser refere às condições exigidas para o exercício do direito de greve. E se já tem sido cada vez mais dificultada a intervenção – mobilização, paralisação e greve – em defesa da(o)s servidora(e)s e dos serviços públicos, não convém ignorar que é exatamente esse um dos reais motivos da capciosa ação parlamentar em curso.
Assim, a(o)s “representantes do povo” aliada(o)s às políticas governamentais genocidas aprovaram na CD em regime de urgência o PL nº 5.595/2020 e, por certo tentarão fazer o mesmo no Senado, tendo por objetivo obrigar o retorno das escolas de educação básica e das instituições de ensino superior às atividades presenciais, sob a alegação de “custos educacionais e econômicos com o fechamento das escolas”. Não ficam dúvidas de que seu foco central são as atividades econômicas, é a preservação da dinâmica do mercado.
De acordo com essa lógica é possível colocar em risco profissionais que atuam nas escolas e universidades e população nelas atendidas, no momento exato em que a pandemia já ceifou quase 400 mil vidas, sobretudo em decorrência da negligência do Estado, que não tomou medidas para um lockdown articulado em todo o território nacional, que não comprou vacinas em tempo hábil, que não providenciou leitos e medicamentos em quantidade adequada. O avanço da pandemia só não tem sido ainda mais danoso por conta de poucas gestões conscientes e, sobretudo, do sacrifício da(o)s profissionais da saúde, mas também de demais profissionais sem a prerrogativa de trabalhar em casa.
O projeto gira em torno de indicar alternativas para o retorno ao ensino presencial: alternar horários e fazer rodízio entre as turmas de estudantes; manter um sistema híbrido e garantir a liberação de atividades presenciais a servidora(e)s componentes de grupos de risco ou que convivam com familiares nessa condição. Com exceção do último, que se trata de um direito, os outros aspectos podem sim ser levados em consideração, mas só quando o estágio da pandemia assim o permitir, sendo que para tanto as instituições de ensino devem elaborar, democraticamente, “planos sanitários e educacionais”, com a participação de suas comunidades e subsidiadas pelos órgãos científicos que monitoram a pandemia de Covid-19.
Em síntese, a situação da pandemia no Brasil é uma das piores do mundo. E é nessa conjuntura que, se aprovado o PL nº 5.595/2020, Executivo e Legislativo colocarão em exposição ao coronavírus nas ruas, nos ônibus, nas escolas, nas universidades, nos institutos federais e nos Cefet mais de 3,4 milhões de trabalhadora(e)s na educação básica e na educação superior. Na prática, isso significará que quase 60 milhões de pessoas serão obrigadas a circular e a se encontrar num dos piores momentos da pandemia, e pouco se sabe se essas instituições estão sendo devidamente dotadas de toda a infraestrutura física, de pessoal e de cuidados sanitários para garantir a proteção das pessoas que nelas trabalham ou nelas são atendidas.
O ANDES-SN não está e não ficará omisso frente ao genocídio para o qual a aprovação do PL nº 5.595/2020 deverá contribuir. Ao invés disso, exigirá mais recursos para o Sistema Único de Saúde (SUS), para a ciência e tecnologia pública, para a urgente recomposição dos orçamentos das instituições superiores de ensino, pois sem essas medidas não haverá saída para barrar a proliferação do vírus e o aprofundamento dessa tragédia humana, que não foi e poderia ter sido evitada, mas que certamente pode ser amenizada.
Diante de tudo isso, conclamamos a nossa categoria, por meio das seções sindicais, bem como as demais entidades da educação e a sociedade, em especial o conjunto da classe trabalhadora, a pressionar a(o)s parlamentares nos estados e municípios com o objetivo de barrar o PL nº 5.595/2020. Essa é uma tarefa inadiável e, se bem sucedida, cumprirá um papel muito importante para a preservação de inúmeras vidas.
Se necessário, faremos uma greve sanitária a favor da vida e exortamos a sociedade a nos apoiar nessa empreitada pela vacinação pública e gratuita de todas as pessoas, pelo SUS, por um lockdown articulado e de âmbito nacional, que na falta de indicadores científicos específicos, tenha como parâmetros os critérios preventivos estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para o enfrentamento da Covid-19 e pela garantia de auxílio emergencial para a toda a classe trabalhadora.
Fora Bolsonaro-Mourão!
Brasília(DF), 30 de abril de 2021
Diretoria do ANDES-Sindicato Nacional