O avanço na educação chegou aos locais mais afastados do Norte do País. Mas a situação na região era tão precária há 20 anos que, mesmo melhorando entre quatro e 12 vezes o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de Educação, divulgado neste ano e referente a 2010, cinco cidades apresentam um cenário abaixo da média nacional em 1991.
Os cinco últimos colocados no ranking tiveram índices de educação menor do que 0,279, resultado geral brasileiro em 1991: as cidades paraenses de Melgaço e Chaves, além de Atalaia do Norte e Itamarati, no Amazonas, e Uiramutã, em Roraima.
Uma delas tem hoje 3% dos jovens no ensino superior – número baixo, mas um avanço em relação ao registrado 20 anos atrás, quando a cidade não tinha nenhum universitário. Outra localidade viu seu IDHM de educação crescer oito vezes, mesmo assim, praticamente metade da sua população é analfabeta.
Segundo dados do relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dos 1.588 municípios que apresentaram crescimento muito acima da média, 58,7% estão localizados na região Nordeste e 15,3% na região Norte. Ao mesmo tempo, essas duas regiões tem mais de 90% de seus municípios nas faixas de baixo e muito baixo no índice de educação.
Com ainda muito a melhorar, o Norte brasileiro precisa vencer desafios como a dificuldade de acesso de comunidades ribeirinhas e indígenas à escola e a deficitária capacitação de boa parte de seus professores. Conheça, a seguir, um pouco mais sobre as cinco cidades cuja educação não ultrapassou o IDHM brasileiro de 20 anos atrás.
Faltam professores indígenas em Uiramutã
Uiramutã é um pequeno município de Roraima com 8.375 habitantes, localizado próximo à divisa com a Guiana. Seu IDHM de Educação subiu de 0,045 em 1991 para 0,276 em 2010, cerca de seis vezes. A cidade, que ficou com o quinto pior índice, tem 90% da população indígena. Segundo dados do Censo Escolar 2012, os estudantes indígenas estão distribuídos em 248 escolas e representam 65% dos matriculados na rede estadual do município. Na maioria das aldeias, fala-se apenas a língua indígena.
Em relação à frequência escolar, das crianças de 6 a 14 anos, 39,79% não frequentavam a escola em 2010. Já entre os jovens de 15 a 17 anos, 38,42% cursavam o ensino fundamental. Da população adulta, 38,5% é analfabeta. Em 2010, a expectativa de anos de estudo entre as crianças foi de 4,73. Exceção entre as cinco piores cidades, Uiramutã viu essa média cair: em 1991, se esperava um período de 5,53 anos na escola.
Entre as explicações para o baixo índice está o difícil acesso às escolas e a falta de capacitação dos docentes. A professora Ineide Izidorio Messias, chefe da Divisão de Educação Indígena da Secretaria Estadual de Educação e Desportos de Roraima (SEED), aponta como dificuldade os recursos financeiros, que muitas vezes não chegavam às mãos da divisão. Além disso, nem sempre é possível executar planos de ação, pois as escolas ficam localizadas em áreas de difícil acesso. “De abril a setembro, por exemplo, é época de cheias. Os professores não conseguem chegar nem sair das aldeias”, explica.
Para melhorar a educação, a professora conta que a divisão está tentando mudar o calendário escolar, junto ao conselho estadual, facilitando também a capacitação dos professores. “Estamos buscando alternativas, orientando melhor os professores, que muitas vezes são formados apenas no ensino médio e precisam de melhor capacitação, por meio de treinamentos oferecidos pelo governo. Para isso, precisamos facilitar também o acesso deles aos cursos”,diz.
A procura de alunos pelas escolas indígenas de Uiramutã está aumentando. Ao mesmo tempo, é preciso aumentar o número de professores indígenas capacitados. Muitas escolas ainda têm de funcionar com turmas multisseriadas, com alunos de várias séries e apenas um professor. “É importante que esse professor seja indígena, seja parte da aldeia, principalmente pela questão da língua e costumes diferentes. Os povos preferem professores indígenas porque o ensino flui melhor e a cultura é cultivada”, afirma.
Outro problema apontando por Ineide é a falta de infraestrutura das escolas indígenas, apesar do fornecimento de material e merenda escolar pela Secretaria de Educação. “É uma questão reivindicada pelo povo. Algumas escolas são feitas de alvenaria, mas a maioria é de palha, de terra batida, paredes de barro, no jeito da aldeia. Porém, os recursos para as melhorias demoram a chegar, existe um processo burocrático. Nossos estudantes querem mudanças mais imediatas”, conclui.
Escolas multisseriadas em Itamarati
O quarto pior IDHM de Educação do País, 0,266, pertence a Itamarati, cidade localizada no interior do Amazonas, com 8.038 habitantes. Desde 1991, o índice subiu cerca de 8,5 vezes, mas continua muito baixo. Dos alunos de 15 a 17 anos, 15,43% estavam cursando o ensino fundamental em 2010. Entre 1991 e 2000, não havia nenhum. Os anos esperados de estudo em Itamarati aumentaram de 3,34 anos em 91 para 5,84 em 2010. No Estado do Amazonas, a expectativa era de 8,54 anos na escola em 2010.
Para o secretário municipal de Educação em exercício, Eder Gomes Maia, o problema da educação em Itamarati é histórico. “Estamos trabalhando para capacitar melhor os professores e manter os alunos na escola, inclusive com acompanhamento junto aos pais do estudante, tentando conscientizá-los sobre a importância do estudo. Acredito que nosso próximo IDHM de Educação terá melhorado muito”, afirma.
Em Itamarati, também existem escolas multisseriadas porque há pouca demanda de alunos em pontos muito afastados das zonas indígenas. Um projeto para agrupar várias escolas de comunidade próximas foi apresentado aos ribeirinhos, que não quiseram deixar suas comunidades para estudar. “Também existe uma parte dos ribeirinhos que migra muito, abandonando as escolas construídas em alguns locais. Precisamos de políticas públicas que permitam que eles possam permanecer em uma determinada região. É um problema cultural”, completa Maia.
Contudo, no geral, a demanda de alunos cresceu na cidade nos últimos anos, aumentando a necessidade de novas escolas. Em 2013, foram construídas quatro escolas de ensino fundamental, duas na zona rural e duas em aldeias indígenas. “Já mandamos para o governo federal os projetos para a construção de mais três escolas na área urbana. Estamos esperando a contemplação”, conta. Para complementar a formação dos estudantes, são oferecidas aulas de reforço há três anos na cidade.
A capacitação dos professores também é uma preocupação. “Oferecemos programas de formação continuada aos professores e estamos tentando, em parceria com a Universidade Estadual do Amazonas (UEA) trazer novos cursos de formação universitária ao município, em 2014”, conta. Segundo a UEA, o Programa de Formação de Professores (Proformar) ofereceu cursos normais superiores aos professores estaduais e municipais de Itamarati, concluídos em 2008. Em 2012, foi concluído o curso de Tecnologia em Gestão Ambiental. Atualmente, está em andamento a formação de Matemática.
Dificuldade de acesso às escolas indígenas em Atalaia do Norte
Apesar de ter aumentando seu IDHM de Educação cerca de 4,5 vezes, de 1991 para 2010, a cidade amazonense Atalaia do Norte apresenta o terceiro pior índice do País. Com 15.153 habitantes, em 2010, o indicador ficou em 0,259, considerado muito baixo. A taxa de analfabetismo diminuiu 32,25% nas últimas duas décadas, mas continua alta: 43,6% da população acima de 25 anos ainda é analfabeta. Em 2010, 43,91% dos jovens de 15 a 17 anos não frequentavam a escola e apenas 2,33% cursavam o ensino médio regular sem atraso.
Entre 1991 e 2000, não havia nenhum jovem – de 18 e 24 anos – na faculdade. Em 2010, foi registrado que 3,03% dessa população estava no ensino superior. Um dos problemas que impedem o avanço na educação é o difícil acesso às escolas indígenas e a falta de infraestrutura.
Segundo o Secretário de Comunicação da prefeitura de Atalaia do Norte, Nailson Carlos, a captação de recursos para investir em educação foi uma dificuldade nos últimos anos. Na área urbana, existem duas escolas municipais e três estaduais, além de duas escolas nos pelotões de fronteira com o Peru. Na área indígena, 54 escolas dependem de entregas de material e merenda escolar por barco, única forma de acesso às aldeias, que chegam a estar a 790 quilômetros da sede municipal. “As empresas relutam em investir e construir escolas com essa logística difícil”, conta Carlos.
Segundo Jeanne Gouvea dos Reis, gestora representante do Estado do Amazonas e da Escola Estadual Pio Veiga (maior escola do município, com 1.052 alunos), “as escolas estaduais estão em bom estado, em prédios de alvenaria”. Sua única reivindicação são aparelhos eletrônicos que possam incrementar os laboratórios de informática.
Piores índices estão no Pará
Melgaço, no Pará, tem o pior IDHM de Educação do País: 0,207. Sua população é de 24.808 habitantes. Apesar de ter crescido mais de oito vezes desde 1991, quando o índice era 0,024, o município ainda apresenta um índice muito baixo. Quase metade da população de 18 anos ou mais, 47,3%, ainda é analfabeta. Entre os jovens de 15 a 17 anos, apenas 1,91% estavam cursando o ensino médio regular sem atraso em 2010. Nenhum dos telefones da prefeitura e da Secretaria de Educação atendeu às ligações da reportagem para comentar a situação.
Também no Pará, a cidade de Chaves, que tem 21.005 habitantes, possui o segundo pior índice do Brasil: 0,234. A educação na cidade cresceu mais de 12 vezes desde 1991, quando o índice era de 0,020. O município ainda detém um indicador considerado muito baixo, apesar de a taxa de analfabetismo da população de 18 anos ou mais ter diminuído 12,47% nos últimos 20 anos. Também houve dificuldade da reportagem em contatar os órgãos gestores da educação no município.
Os municípios de Melgaço e Chaves estão localizados no arquipélago de Marajó. Ambas sofrem com problemas de acesso às escolas. Mais de 70% de suas populações vive em comunidades afastadas. Algumas chegam a estar distantes cerca de 16 horas de barco das sedes dos municípios.
Segundo o secretário adjunto de ensino, da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) do Pará, Licurgo Peixoto de Brito, a situação da educação é muito semelhante em ambas as cidades. A população ribeirinha não consegue se deslocar até a escola, porque não há transporte fluvial suficiente. “O modo de vida dos ribeirinhos, que vivem em lugares mais afastados, e a falta de investimento adequado para que se supere as dificuldades naturais de acesso fazem com que a melhora no ensino seja muito pequena”, explica.
O transporte fluvial é, na maioria das vezes, o único meio de chegar à escola de algumas comunidades. Além disso, a energia elétrica na ilha é falha, o que dificulta o acesso à informação. “É preciso desenvolver um plano estratégico que articule melhor a infraestrutura no transporte e um investimento na cadeia produtiva da região”, conclui. Já existe, no Estado, o Plano de Desenvolvimento do Marajó, criado pelo Movimento Marajó Forte, que visa a utilizar recursos do governo para construir escolas, melhorar o sistema fluvial e o acesso ao ensino. O plano, que ainda está em fase de aperfeiçoamento, não tem previsão de quando será enviado ao governo federal.
Entenda o índice
O componente de educação no IDHM é formulado com base em dois subíndices: a escolaridade da população adulta e o fluxo escolar da população jovem. Segundo o coordenador do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, Marco Aurélio Costa, deve-se investir na educação de jovens, a base dos índices. “Temos de olhar os índices de escolaridade adulta e infantil separadamente, pois a educação é tomada como um ciclo: se temos índices e dados baixos na população jovem, dificilmente teremos bons números na população adulta. O desafio maior é manter o jovem na escola na idade e série corretas”, opina.
De 1991 até 2010, 185 municípios tiveram um crescimento acima de 1.000% e 235 municípios, de 900%. A média de crescimento geral do Brasil foi de 180%. Nas últimas décadas, a distância entre a cidade com o melhor indicador e a com o pior diminuiu. Em 1991, o melhor IDHM, de Niterói (RJ) era 55 vezes maior do que o pior, de Campos Lindos (TO). Em 2010, o melhor índice, de Águas de São Pedro (SP), é apenas 4 vezes maior do que em Melgaço (PA), o pior do País.
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