A Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Adufms) manifesta preocupação em relação à proposta de mudança no Regulamento Geral da Graduação na UFMS, que, se colocada em prática, representa o desmantelamento das estruturas dos cursos de graduação na universidade e uma grave perda para o ensino, a pesquisa e a atuação de docentes.
Elaborada pela Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), tal medida foi sugerida por meio de uma minuta, cuja consulta foi feita de forma pública e online, com período de 10 dias para resposta (entre 19 e 29 de novembro), sem diálogo prévio com representantes de colegiados de cursos. O documento propõe, no Artigo 3º, a implementação de atividades à distância de acordo com a regulamentação do Ministério da Educação (MEC), ou seja, em até 40% das estruturas curriculares dos cursos, como estabelece a Portaria 2.117/2018.
O Artigo 5º menciona, em seu primeiro parágrafo, que uma “equipe multidisciplinar” analisará os materiais utilizados pelos docentes nas disciplinas realizadas à distância, no entanto, não especifica normas sobre os componentes de tal equipe. Já no parágrafo II, afirma-se que o material didático deve ser apresentado “preferencialmente com licenças livres”. Em nenhuma passagem do documento é mencionada a possibilidade de direito autoral aos professores.
Além da implementação da Educação à Distância (EAD), a gestão da UFMS propõe a unificação dos Projetos Pedagógicos de Cursos (PPCs). No Artigo 7º, a minuta sugere que cursos homônimos, independentemente do campus em que se encontrem, passem a trabalhar com a mesma estrutura curricular em relação às disciplinas obrigatórias, proposta que representa a perda da autonomia dos campi do interior, já que a universidade possui 10 campi, cada um deles com suas próprias características e necessidades.
Posição dos docentes
A professora Dra. Mariuza Aparecida Camillo Guimarães, vice-presidente da Adufms e que leciona na Faculdade de Educação (Faed), afirma que a consulta pública em relação à minuta não trouxe um debate real. “As mudanças estão sendo realizadas no final do semestre, afastando a possibilidade de participação efetiva da comunidade acadêmica que está concluindo as atividades. Com isso, vão consolidando o projeto de desmonte dos dispositivos que sempre caracterizaram as universidades públicas: as decisões democráticas, o ensino de qualidade, a pesquisa e a extensão como atendimento à comunidade interna e externa”.
O professor Dr. Antônio Carlos do Nascimento Osório, da Faculdade de Educação (Faed) e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPsico), a unificação das estruturas curriculares fere o princípio básico dos projetos políticos dos cursos. “Não considera o corpo docente de cada curso, muito menos a clientela que está presente. Por exemplo, o cara que mora em Corumbá vai cursar a mesma grade de Campo Grande. Isso fere o atendimento a demandas locais. Independentemente da qualificação do professor, do aluno”, pontua.
Osório também chama a atenção para o Artigo 34, que propõe a aplicação do estágio obrigatório em qualquer tempo. “Estágio em qualquer momento do curso, isso não existe. As diretrizes curriculares são bastante claras, existe toda uma preparação para isso. Outro problema que nos traz é o estágio remunerado. Ele existe, é feito por convênios, mas não é curricular e agora é”, afirma o professor, que manifesta preocupação em relação aos objetivos de tal proposta. “É uma política de mão de obra barata. Para entender esse contexto, a gente tem que entender o conjunto de relações que estão postas”.
Mariuza também demonstra preocupação sobretudo com os cursos de unidades do interior. “É a precarização dos cursos de graduação, especialmente os de licenciatura, que parecem caminhar para cursos a distância. A proposta do regulamento impacta diretamente nas unidades do interior; com 40% da carga horária a distância muitas disciplinas poderão ser ministradas totalmente a distância, não necessitando de professor da área nessa localidade, esvaziando a formação complementar dos acadêmicos e acadêmicas ao longo do curso”, conclui a professora.
Para o diretor da Adufms em Corumbá, professor Dr. Ronny Machado de Moraes, do curso de Psicologia do Câmpus Pantanal (CPAN), a unificação dos projetos pedagógicos será prejudicial, principalmente para os cursos em cidades do interior. “O maior prejuízo será a perda de identidade. As especificidades de cada curso são resultado de percursos históricos, envolvendo a formação dos docentes, das características dos discentes e do acompanhamento dos egressos”.
Dirigente da Adufms Três Lagoas, o professor Dr. Tarcísio Luiz Pereira, do curso de Pedagogia e Mestrado em Educação no campus de Três Lagoas (CPTL), explica que a medida fere a liberdade de cátedra e padroniza a formação dos acadêmicos. “A justificativa da Reitoria é de que isso desburocratizaria a mobilidade interna de acadêmicos, que poderiam migrar de um campus a outro facilmente, internamente, porém, não se realizou nenhum estudo aprofundado sobre o assunto e não há justificativa para tal mudança, já que o currículo nunca foi um impedimento para migração de alunos entre cursos”.
Pereira também afirma que “tal mecanismo, se implantado, implicará em anulação dos PPCs, centralização do currículo dos cursos e restará muito pouco da identidade de cada curso nos diferentes campi da universidade”. De acordo com o professor, “é inconcebível assistirmos à destruição das trajetórias históricas dos cursos em nome de um projeto de alinhamento com as políticas governamentais em vigor no país. Faz-se urgente uma mobilização coletiva contrária a estas mudanças”.
Sobre as aulas EAD, Tarcísio destaca que, se implantada, a política proposta pela reitoria impedirá a contratação de docentes por meio de concursos públicos. “O aumento de carga horária na modalidade EAD implica dizer, na prática, que os acadêmicos podem fazer qualquer disciplina à distância em outra unidade com cursos unificados, o que vai impactar no desenvolvimento de pesquisa, extensão e outros projetos. Fere também a autonomia universitária, prevista no Artigo 207 da Constituição Federal de 1988”, afirma.
O presidente da Adufms, professor Dr. Marco Aurélio Stefanes, da Faculdade de Computação (Facom), afirma que “essas mudanças arbitrárias que estão propostas encaminham a UFMS a um padrão do governo Bolsonaro para as universidades. Um verdadeiro desmonte da universidade como a conhecemos hoje. Elas descaracterizam os colegiados, que perdem sua autonomia”.
Stefanes chama atenção, ainda, para o enfraquecimento do ensino por meio da modalidade EAD e para a possibilidade de cobranças em matrículas. “A administração central passa a ser determinante nas políticas de PPCs, estabelecem disciplinas que passarão a vigorar à distância, o que para nós aponta para uma desqualificação. Elas também apontam para a cobrança de algumas matrículas, o que também vai na linha do governo federal. Mais um retrocesso que a universidade aponta”.
Comentários
One response to “Nota de repúdio à proposta de novo regulamento dos cursos de graduação”
[…] já havia sido manifestado em nota de repúdio, publicada no dia 30 de novembro, o sindicato se opõe às propostas da reitoria, que, além de […]