Professor Tiago Duque fala sobre assassinato de João Alberto Freitas por seguranças do Carrefour: A violência racista que viralizou em mais este caso é diária no Brasil. A ideia de segurança como construída no contexto racista brasileiro precisa mudar!

Foto: ADUFMS/Manifestação em frente ao Carrefour – Campo Grande MS

João Alberto Silveira Freitas, homem negro de 40 anos foi espancado e morto por dois seguranças brancos em um supermercado Carrefour da Zona Norte de Porto Alegre, Rio Grande do Sul na última quinta-feira, 19, véspera do Dia da Consciência Negra (20 de novembro). O espancamento começou após o desentendimento de Freitas com uma fiscal de caixa. 

O crime foi filmado por testemunhas e os dois seguranças presos em flagrante. Magno Braz Borges, de 30 anos foi levado para a Cadeia Pública enquanto o PM Giovani Gaspar da Silva, de 24 anos, contratado como segurança temporário, foi encaminhado para o presídio militar. Ambos prestavam serviços terceirizados ao Carrefour. Os suspeitos decidiram não emitir declarações. A investigação trata o crime como homicídio qualificado.

O que muitos se perguntam é como uma ida ao supermercado com a esposa se transforma num crime de assassinato no pátio, com dezenas de testemunhas paralisadas pelo medo, fruto da brutalidade desmedida de seguranças de uma empresa privada. A polícia constatou inclusive que um dos seguranças não possuía autorização profissional para trabalhar na área. Para o pai da vítima, João Batista Freitas, de 65 anos, o crime foi claramente motivado pelo  preconceito racial. Em entrevista à Folha de São Paulo, declarou: “O racismo me levou a pessoa que eu mais amava”. 

De acordo com informações da Polícia Militar do Rio Grande do Sul, o espancamento começou após um desentendimento entre a vítima e uma funcionária, fiscal de caixa, do supermercado. Segundo a esposa de Freitas ele fez um gesto com as mãos e a funcionária se sentindo ameaçada, chamou a segurança. A vítima foi então encaminhada para fora do estabelecimento pelos seguranças, mas resistiu. Testemunhas que estavam no local relatam que ele foi então seguido e agredido.

Em um vídeo que circula por redes sociais, a vítima está gritando enquanto recebe socos no rosto. Testemunhas relataram à polícia que ouviram João Alberto gritar por socorro e assistiram sua esposa ir em sua direção para tentar ajudá-lo, sendo segurada e impedida por seguranças.Os funcionários do supermercado desferiram vários golpes e acabaram sufocando a vítima com os joelhos em suas costas. Uma ambulância do Samu foi ao local e tentou reanimá-lo, mas, dessa vez, ele não resistiu. 

O Carrefour informou, em nota, que está apurando as informações, que lamenta o caso e está tomando providências para que os responsáveis sejam punidos.

A assessoria de comunicação da ADUFMS conversou com o professor e cientista social Tiago Duque a respeito do crime. Duque é professor do Bacharelado em Ciências Sociais, do Mestrado em Antropologia Social (Campus de Campo Grande) e  do Mestrado em Educação (Campus do Pantanal – Corumbá). Confira a entrevista a seguir:  

ADUFMS: Professor, qual a relação que você vê entre o espancamento e assassinato de um homem negro numa loja do Carrefor na véspera do Dia da Consciência Negra e o racismo estrutural presente no Brasil?

Prof. Tiago Duque: A violência racista que viralizou em mais este caso, é diária no Brasil, nesse sentido, como é cotidiana, não há surpresa em ter ocorrido também às vésperas de uma data tão importante. Inclusive, mesmo hoje, dia 20 de novembro, outras violências racistas irão ocorrer e talvez não ficaremos sabendo. Essa característica, isto é, esta cotidianidade, é marcante no que temos identificado como “racismo estrutural”. Isso, inclusive, mostra a importância de um dia como o 20 de novembro no Brasil, que é um dia de mobilização, denuncia e crítica social. A ideia de consciência traz um apelo para reflexões críticas, tanto de negros, como de brancos. Pois, no racismo todo mundo tem o seu lugar, independentemente dos fenótipos e origem cultural. O lugar da branquitude precisa ser problematizado de forma crítica, consciente, em um país racista como o nosso. É um dia para pensar a negritude, mas a negritude situada também a partir de valores que instituem a sua alteridade. As situações de violência precisam servir também para isso. Esse caso reforça a necessidade de se promover a consciência negra, inclusive para que brancos se percebam nas experiências racistas. 

ADUFMS: O Carrefour, em nota, chamou o ato de criminoso e anunciou o rompimento do contrato com empresa terceirizada que 'responde pelos seguranças que cometeram a agressão'. No entanto este é o sexto episódio de violência, agressão, espancamento e violação a direitos humanos ocorrido dentro das lojas da rede de supermercados. Qual você considera de fato a responsabilidade da empresa nesses atos criminosos? Você acredita que há algum tipo de política administrativa por trás dessa série de atrocidades?

Prof. Tiago Duque: A ideia de segurança, como construída no contexto racista brasileiro, precisa ser criticada, afinal, mesmo em espaços públicos, por funcionários ou agentes públicos, a violência em nome da atuação por uma suposta segurança, situa e contextualiza as experiências racistas. Um exemplo é a tradição militarizada da polícia. Mas, no que se refere a empresas privadas, a responsabilização precisa ser maior, inclusive daquelas terceirizadas. 

Hoje é entendido, infelizmente, que a terceirização dos funcionários tira parte da responsabilidade de quem terceirizou. Esse é um problema grave, inclusive de outras áreas que não somente a da segurança. Além disso, é preciso uma maior atenção à formação, fiscalização e legalização dessas empresas de segurança, não é só a responsabilização desses trabalhadores, mas da própria forma como essas empresas são autorizadas a existir. 

ADUFMS: Como nós, como sociedade podemos nos posicionar de forma mais eficaz? Qual é a melhor forma de combatermos esse tipo de ato de racismo? Sendo negros, brancos, indígenas… Boicote? Manifestação? Posicionamento nas redes?

Prof. Tiago Duque: A visibilização da recusa das compreensões de que o racismo não existe no Brasil é muito importante, seja por boicote, manifestação e posicionamentos nas redes sociais. Mas, a formação anti-racista, em todos os níveis, precisa ser ampliada e fortalecida. As políticas de afirmação identitária também, inclusive fiscalizadas. A responsabilização das pessoas que cometem os crimes de racismos e das instituições racistas precisam ser mais eficazes. Cortes internacionais de Direitos Humanos também precisam ser provocadas a se posicionar diante de um país racista como o nosso. Não há um único caminho, porque os contextos e situações também são variadas. Politicamente, construir uma ideia de representação ampliada, também se faz necessário. Precisamos de negros e negras em lugares de poder, mas de negros e negras anti-racistas, com pautas e atuações anti-racistas. Não é só ocupar os lugares de poder, é mais que isso.

*Tiago Duque é professor do Bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Campus de Campo Grande), do Mestrado em Educação (Campus do Pantanal – Corumbá) e do Mestrado em Antropologia Social da Faculdade de Ciências Humanas (FACH). Desenvolveu estágio de Pós-Doutorado na Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), junto ao Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERGE). Possui doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP (2013) e mestrado em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar (2009). Fez bacharelado e licenciatura em Ciências Sociais (2005) e bacharelado em Ciências Religiosas (1999) pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC Campinas. Foi professor e coordenou a área de sociologia no Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES) da mesma instituição. Atuou no Governo Municipal de Campinas, na Secretaria de Saúde, como assessor do Núcleo de Educação e Comunicação Social (NECS) do Programa Municipal de DST/Aids. Participou da implementação da Área de Pesquisa "Diversidade sexual, poder e diferença" junto ao PAGU – Núcleo de Estudos de Gênero – UNICAMP.  
É coordenador do Impróprias – Grupo de pesquisa em gênero, sexualidade e diferenças (CNPq/UFMS). É membro da Comissão Permanente Consultiva de Ações Afirmativas da UFMS. Está como coordenador do GT 23 – "Gênero, Sexualidade e Educação" da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação da Região Centro-Oeste (ANPed -CO). Informações coletadas do Lattes em 24/06/2020