Reforma da Previdência e intervenção federal: as tentativas do Governo Temer de iludir a população

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016 – reforma da Previdência – teve votação suspensa, em função da intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro,

decretada

pelo presidente Michel Temer (PMDB) no dia 16 de fevereiro, com duração prevista até o dia 31 de dezembro deste ano.  A medida interventiva está na Constituição Federal como uma das atribuições da União em casos emergenciais. No processo da intervenção, o general Walter Braga Netto do Comando Militar do Leste (CML) torna-se o interventor  no Rio de Janeiro, onde passa a ter o mesmo poder que o governador fluminense Pezão, mas restrito ao âmbito da Segurança Pública. A Constituição prevê, ainda, que nenhuma proposta de emenda ou texto com a pretensão de alterar a Constituição pode ser votado na vigência da intervenção federal.

Sob a justificativa oficial de acabar com o crime organizado, a intervenção, na prática, serve de cortina de fumaça para o governo. Sua sanção torna-se pauta principal frente a qualquer outro projeto ou emenda a ser discutidos no Congresso Nacional, de modo que a reforma da Previdência tem de ser deixada de lado pelo governo federal porque a Constituição assim prevê. Contudo, o ar de derrota exala, ainda que haja justificativa para o hiato na votação.





Com mais de R$ 59 milhões gastos em publicidade e propaganda no ano passado para que a reforma da Previdência fosse “engolida” por diversos setores da sociedade, a medida não é tão popular quanto o governo deseja. O principal argumento para que haja a reforma é que há déficit na Previdência, somando os setores públicos e privados, de R$ 268,8 bilhões. O anúncio do valor foi feito pelo secretário da Previdência, Marcelo Caetano, em coletiva de imprensa em Brasília no dia 22 de janeiro deste ano. Em contraponto, segundo

relatório da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), os 500 maiores devedores da Previdência

somam R$ 426 bilhões. A maior devedora, liderando a seleção, é a falida Varig, companhia aérea, seguida da JBS, em segundo lugar, e da VASP, companhia aérea também falida, em terceiro lugar.

A fim de verificar a eficácia das campanhas publicitárias sobre a reforma, na

Pesquisa Qualitativa Avaliação da Campanha Reforma da Previdência (01/2017),

encomendada em fevereiro de 2017 pelo Departamento de Pesquisa de Opinião Pública da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), órgão da Presidência da República, há a seguinte avaliação do público:  “É muito assim, nós vamos perder nossa previdência mas não fala nada, é tanta desconfiança porque estão fazendo lavagem cerebral, você vai perder sua aposentadoria se não fizer nada, só ficam assustando, mas não dão nenhuma solução”. A consulta foi feita com pessoas acima de 18 anos de idade, de ambos os sexos, de composição multirracial, das classes econômicas B e C, nas cidades de São Paulo e Porto Alegre.

Em

outra análise

das impressões do público sobre a campanha, encomendada pela Secom da Presidência da República, as pessoas consultadas se mostraram intimidadas com a publicidade do governo. “A campanha é considerada vaga. As informações consideradas genéricas demais, imprecisas, superficiais e para alguns até mesmo mentirosas. A mentira, segundo elas/eles, estaria em atribuir o déficit quase que exclusivamente ao crescimento do número de aposentadas/os. Além disso, segundo as/os entrevistadas/os, a campanha desconsidera a distorção histórica entre a aposentadoria do cidadão comum e do funcionalismo público, militares e políticos. Segundo eles/elas, a campanha busca convencer a população sobre a necessidade da reforma e da sua urgência, mas peca ao não trazer as informações sobre ‘como’ isso vai acontecer. Aspecto que gera medo e desconforto”. O trecho está na página 11 do documento. Os materiais mostrados ao público consultado, acima de 18 anos de idade, foram filmes publicitários e anúncios de jornais sobre a reforma da Previdência.


Intervenção federal: “vilões” e “heróis” utilizam as mesmas armas






Foto: Wilton Júnior/Estadão

O Exército já atuava em conjunto com a Polícia Militar (PM) no Rio antes mesmo do decreto de intervenção federal. Com o objetivo de acabar com o crime organizado, as fardas verde-musgo agora têm respaldo oficial para intervir. Heroico para as/os saudosas/os do golpe civil-militar de 1964 (em que o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco assume a presidência do país e instaura o regime ditatorial que durou até 1985) e dos que pedem a Intervenção Militar no Brasil, a medida chega “esvoaçante como um super-herói com capa verde e amarela”. Entretanto, o que está nas entrelinhas da intervenção federal é o efeito

boomerang

– que vai e volta – da medida: o crime organizado que pretende ser combatido, respinga nos próprios “heróis”. Os armamentos utilizados por traficantes e milícias – os “vilões” – são de uso exclusivo das Forças Armadas Brasileiras.

No dia 22 de fevereiro deste ano, o Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou o sargento do Exército Renato Borges Maciel, preso em flagrante no dia 18 de janeiro deste ano por portar “17 fuzis AR-15, dois AK-47, 41 pistolas de calibres diversos, 82 carregadores de pistola, 39 carregadores de fuzil, além de 54 tabletes de pasta de cocaína e munição”, segundo informações contidas em

matéria da Agência Brasil

. “Há também indícios de envolvimento do sargento em uma organização criminosa ligada ao tráfico, com a função de fornecer armas de fogo de uso restrito das Forças Armadas, protegido pela identidade militar”.


Em matéria publicada na edição brasileira do periódico El País, no dia 23 de fevereiro deste ano

,

há outra constatação do envolvimento

de integrantes do exército com o crime organizado. “No dia 20 de outubro de 2017 outro sargento, Carlos Alberto de Almeida, 46, conhecido como Soldado, foi preso na Favela da Coréia, em Senador Camará, zona oeste do Rio. Ele foi acusado de ser ‘o maior armeiro do tráfico’ no Estado. Com o militar foram apreendidos sete fuzis, seis pistolas e munição. Almeida foi preso junto com outros três homens no momento em que preparavam os fuzis que seriam entregues para integrantes da facção Terceiro Comando Puro (TCP)”.

A Intervenção Federal também é criticada por abusos cometidos aos moradores das comunidades em que o exército está atuando. A Ordem dos Advogados do Brasil — Seccional do Rio de Janeiro (OAB-RJ) repudiou a prática de “fichamento” dos moradores da Vila Kennedy. Militares fotografaram moradores com seus respectivos documentos sob a justificativa de averiguação de antecedentes criminais. A OAB-RJ instalou o Observatório Legislativo da Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (Olerj) a fim de monitorar estas e outras práticas, além de apurar o destino das fotografias tiradas pelos militares.

A medida atual flerta com os períodos autoritários pelo qual o país passou. Escritos com “boas intenções”, os capítulos nebulosos envolvendo a intervenção da estampa camuflada no Brasil somam 434 mortos e desaparecidos políticos no país e no exterior entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, dados presentes no

volume III do Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV)

, sem contar as inúmeras práticas de torturas contra presos políticos ou antes mesmo das detenções, a  troca de informações. Ademais das práticas adotadas, a preocupação segue no campo simbólico: colocar o exército como “salvador” da pátria tende a legitimar discursos cada vez mais recorrentes de que só é possível “consertar” o Brasil com fardas e muitas balas. Os que pedem intervenção militar comemoram, enquanto a jovem e torta democracia no Brasil se vê mais uma vez encurralada.



Assessoria de Imprensa da ADUFMS-Sindicato