
O seminário “Câmeras em sala: segurança, controle ou ameaça ao ato de educar?” foi realizado na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, na última terça-feira (9 de dezembro) e reuniu representantes da educação, pesquisadoras/pesquisadores e entidades sindicais para debater os impactos da medida sobre o trabalho docente, o processo educativo e a liberdade pedagógica. Participaram da mesa a deputada estadual Gleice Jane, relatora do Projeto de Lei 264/2024, Mariuza Guimarães, representando a Adufms, Onivan de Lima Correia, vice-presidente da FETEMS, Celi Correa Neres, presidenta do Conselho Estadual de Educação e o professor Fernando Penna, docente da UFF e pesquisador do Observatório Nacional da Violência contra Educadoras/educadores (ONVE), responsável por apresentar os dados da pesquisa realizada pelo Observatório
A deputada Gleice Jane afirmou que, a partir das visitas realizadas a quase dez municípios e mais de vinte escolas, num debate mais aprofundado, percebeu que muitos professores acabam por enxergam as câmeras como possível instrumento de proteção. Porém, em sua avaliação “as câmeras não contribuem com o processo educacional, mas acabam criando um espaço de vigilância”. Ela destacou que há forte preocupação entre docentes diante da “ausência do Estado nas garantias dos direitos dos professores”, o que leva ao medo, à insegurança e ao risco de autocensura. Gleice reforçou ainda que a escola precisa retomar um ambiente de liberdade de expressão e autonomia pedagógica.

Mariuza Guimarães, representando a Adufms, reiterou a defesa da liberdade de cátedra, afirmando que esse princípio garante ao professor a possibilidade de construir relações pedagógicas e escolher suas referências teóricas. Segundo ela, “essa vigilância vai causar uma intimidação aos professores”, e não há clareza de que câmeras representem uma medida efetiva de segurança. Mariuza avaliou que o dispositivo pode fragilizar o ambiente escolar e abrir espaço para pressões externas sobre o trabalho docente.
Os dados expostos no seminário por Fernando Penna, mostraram que a violência e a censura contra educadores têm aumentado desde 2010. As pesquisas indicam que mais da metade dos docentes já sofreu ataques ou questionamentos abusivos e que os temas mais visados são política, gênero e sexualidade, religião, negacionismo científico e questões étnico-raciais. Segundo o levantamento, 59% dos educadores afirmam já se sentir vigiados ou inseguros para trabalhar, e a instalação de câmeras tende a reforçar a autocensura e a evasão de conteúdos obrigatórios por lei.
Durante o evento, muito se discutiu sobre o uso das câmeras, mas principalmente sobre a questão da inclusão não apenas das imagens, mas do áudio nas salas de aula. Os presentes apontaram que a disponibilidade, principalmente do áudio, seria problemática para o processo dentro da sala de aula. Outra questão levantada foi o questionamento acerca de onde essas imagens seriam armazenadas, e por quem seriam analisadas. Além disso, os participantes não puderam deixar de atentar que certas questões envolvendo a filmagem e gravação de áudio podem violar normativas como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Ao final, depois de ouvir todas as considerações e explanações dos dados trazidos por Penna, Gleice Jane ressaltou preocupações sobre armazenamento, segurança e acesso às imagens. Ela afirmou que também ouviu repetidamente nas escolas a pergunta sobre “como essas imagens serão guardadas”, expressando dúvidas sobre o uso de nuvens privadas e os riscos associados. A deputada disse que o relatório do Projeto de Lei (PL) será construído de forma democrática e dialogada, e alertou que diversas legislações obrigatórias não vêm sendo cumpridas em razão da pressão de alguns pais sobre professores e direções. Para ela, é urgente garantir que a educação mantenha sua liberdade de expressão e seu papel formativo.
Projeto de Lei 264/2024
O Projeto de Lei estadual 264/2024, relatado pela deputada Gleice Jane, trata da instalação de câmeras de vigilância em salas de aula da rede pública de ensino. A proposta pretende regulamentar o uso dos equipamentos, definir responsabilidades sobre armazenamento e acesso às imagens e estabelecer critérios de funcionamento. O texto tem gerado intenso debate por envolver questões de segurança, privacidade, direitos das crianças e adolescentes, proteção de dados, autonomia docente e liberdade pedagógica, temas que pautaram todo o seminário realizado na Assembleia Legislativa.
