Troca de Saberes 03 – Da Aldeia Buriti à COP30: a trajetória de Célia Alves Terena na defesa da vida e da terra

A voz de Célia Alves Terena, mulher indígena da Aldeia Buriti, em Dois Irmãos do Buriti (MS), atravessa fronteiras. Estudante da Licenciatura em Educação do Campo (Leducampo), ela se prepara para representar novamente o povo Terena e o Brasil em um evento global: a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que começou na última segunda-feira (10 de novembro), em Belém (PA). Embora a conferência tenha iníciado oficialmente no dia 10, Célia embarcou hoje (12 de novembro), levando na bagagem uma história de resistência marcada pela dor, pela memória e pela esperança.

Filha, irmã e educadora, Célia aprendeu desde cedo que a luta pela terra é também a luta pela vida. Essa compreensão ganhou contornos mais profundos em 2013, quando sua comunidade viveu um dos episódios mais dolorosos de sua história. Durante o processo de retomada das terras tradicionais da Aldeia Buriti, dois guerreiros terena, Oziel e Josiel Gabriel, enfrentaram a violência que atingiu o território. Oziel, primo de Célia, foi morto, e Josiel, seu irmão mais velho, ficou paraplégico. “Aquilo foi uma tragédia que abalou toda a nossa comunidade e marcou a minha trajetória para sempre”, recorda. Na época, cursava o quinto semestre de Administração na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em Campo Grande. “Deixei a universidade e os meus sonhos de me formar para cuidar do meu irmão durante oito anos. Foi um tempo de dor e sacrifício, mas também de muita força e aprendizado. Transformei o luto em luta.”

Foi nesse período que Célia passou a compreender mais profundamente o papel da mulher indígena nas mobilizações e no fortalecimento das comunidades. Inspirada pelo exemplo do pai, que sempre a levava às reuniões e encontros do movimento, ela percebeu que defender a terra significava também preservar o modo de vida, o alimento e a espiritualidade de seu povo. “A nossa sobrevivência vem da terra. É dela que tiramos o sustento e a sabedoria. Defender a terra não é apenas uma questão política, é defender a própria vida, a continuidade dos povos e das futuras gerações.”

Com o tempo, o engajamento de Célia ultrapassou os limites da aldeia. Em 2025, ela representou o povo Terena na Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, como uma das 300 pessoas indígenas selecionadas para o Mecanismo de Direitos Humanos dos Povos Indígenas. Na ocasião, apresentou um relatório sobre a demarcação das terras indígenas no Brasil e denunciou a violência enfrentada por lideranças e comunidades. “Foi um momento muito importante da minha trajetória. Pude falar sobre o que vivemos nas comunidades, sobre o impacto da falta da demarcação e das invasões. Levar essa realidade à ONU foi levar também a força do nosso povo”, conta.

Ainda em 2025, Célia participou da Comissão Organizadora da 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente (CONM), em Brasília, onde reafirmou o papel dos povos indígenas na construção de um futuro sustentável. “A conferência mostrou que o nosso conhecimento tradicional é essencial para o futuro do planeta. Não há justiça climática sem justiça territorial”, defende.

Agora, para a COP30, Célia leva novamente essa mensagem a um dos espaços mais importantes do debate climático mundial. Para ela, o encontro em Belém precisa ser mais do que simbólico. “O mundo precisa compreender que proteger os povos indígenas é proteger o planeta. Somos os guardiões da floresta, das águas e da biodiversidade. Por séculos cuidamos da natureza sem precisar destruir.”

Célia acredita que a COP30 representa um marco histórico por acontecer na Amazônia, território que simboliza tanto a riqueza ambiental quanto os desafios enfrentados pelos povos originários. Ela espera que o evento seja um espaço de escuta e compromisso com a vida. “Queremos estar nas mesas de decisão, sendo ouvidos e respeitados. É preciso transformar promessas em ações concretas, políticas públicas, proteção das lideranças e financiamento direto para as comunidades.”

Da dor à resistência, Célia Alves Terena construiu uma trajetória que une memória e futuro. “Eu venho de um povo que nunca desistiu, mesmo diante da violência, do preconceito e da injustiça. Tudo o que faço é para honrar os que lutaram antes de mim e garantir um futuro digno para os que virão depois.” E é com essa força que ela leva a voz do povo Terena e de tantos outros para o mundo, reafirmando que cuidar da terra é cuidar da própria humanidade.