18 maio, 2023
Maria Dilnéia Espíndola Fernandes*
A organização da educação brasileira em dois níveis, a saber, educação básica e educação superior – e assim o é na maioria dos países – atende a uma formação para o mundo do trabalho do modo de produção capitalista. A rigor, a educação básica formaria aquela força de trabalho destinada ao trabalho simples, que corresponderia a executar o trabalho manual sob comando de outrem.
Já na educação superior, seria formada a força de trabalho entendida como formação complexa, que corresponderia ao exercício de funções que operam a partir de processos que exigem domínios cognitivos mais elevados como o planejamento, entre outras posições de comando.
É a clássica divisão do mundo do trabalho entre o manual e o intelectual: enquanto muitos executam o pensado por outros, alguns pensam, planejam e comandam. Tal fato é cristalino desde a construção histórica do conceito de cidadania, um cidadão livre para vender sua força de trabalho. Por isso, a legislação educacional quando dispõe dos objetivos e finalidades da educação/ensino, entre eles se apresenta: formar para a cidadania e para o mundo do trabalho.
Neste contexto, quando as mudanças se operam no mundo da educação/ensino, seja por meio das políticas educacionais que se expressam na legislação ou por meio de alterações de práticas pedagógicas, o sinal de alerta se acende: algo mudou antes no mundo do trabalho, ainda que a base material permanece a mesma.
A divisão internacional do trabalho criada pelo ajuste estrutural do neoliberalismo aprofundou a segregação do mundo do trabalho entre os países.
Cada vez mais este projeto de sociedade concentra a formação e o exercício do trabalho complexo nos países centrais do capitalismo e reserva para a periferia a concentração do trabalho simples. Mas, mesmo nos países centrais, há uma substituição importante do trabalho abstrato humano pelo trabalho da máquina, dado o alto grau de inovações tecnológicas, que são também responsáveis pela hegemonia liberal que precariza e intensifica o mundo do trabalho.
Este contexto também explica o decrescente grau de industrialização da periferia capitalista e o crescente grau do setor de serviços. Processos industrializantes de sociedades requerem cada vez mais em graus crescentes e sempre incompletos, de investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Setores como os de serviço, se satisfazem com um trabalhador de formação simples.
Ao se deparar com a realidade do mundo do trabalho no Brasil, se observa que os postos de trabalho que vem sendo disponibilizados, requerem uma formação simples, que tem como consequência, baixos salários e depois da aprovação da contrarreforma trabalhista de 2017, sem nenhum direito social. A contrarreforma do ensino médio imposto pela Lei 13.415/2017, é sobre isto: é preciso formar a cidadania para o trabalho precário, intensificado e para o não trabalho.
É para que as novas gerações de trabalhadoras e trabalhadores sejam disciplinadas para um novo ethos: o ethos da trabalhadora e do trabalhador na sociedade do desemprego. Sociedade do desemprego não significa não ter emprego: mas a alteração quali/quantitativa do emprego.
A alteração desta lógica é possível porque se fomos capazes de construí-la, somos capazes de construir uma outra. Tarefa de tal monta não é só da educação, ainda que esta seja parte importante daquela.
Por isso revogar o NEM nas unidades federativas (estados) e no MEC é central neste projeto de um outro mundo possível!
*Pesquisadora Sênior do PPGEdu/UFMS