Priorização de EaD representa sucateamento de ensino e trabalho, avaliam professores

Com 1.500 vagas abertas para cursos na modalidade de Educação a Distância (EaD), a UFMS tem ampliado o espaço para esta categoria de ensino. Após o retorno das aulas presenciais no início deste ano, abolindo o ensino remoto emergencial iniciado em 2020 devido à pandemia de coronavírus, a gestão da universidade decidiu prolongar as aulas online, inicialmente abrindo a possibilidade de que até 40% das estruturas dos cursos sejam à distância, atendendo à portaria 2.117/2018 do MEC.

Em agosto de 2021, a UFMS anunciou cursos de formação em EaD para professores e técnicos-administrativos, deixando clara a diferença entre este e o ensino remoto, adotado em caráter emergencial durante a primeira fase da pandemia. Mais recentemente, a universidade oferta cursos de graduação 100% EaD. Professores que acompanharam a discussão no Conselho Diretor (CD) e Conselho Universitário (Coun) avaliam que a medida atende a uma política de sucateamento, tanto do ensino quanto do trabalho docente.

Para o professor Dr. Edelberto Pauli Júnior, representante da Adufms no Conselho Diretor da UFMS, a aprovação da proposta de ampliação da EaD no órgão era esperada. “O Conselho costuma aprovar tudo o que a administração central solicita. Tal unidade política foi conseguida desrespeitando, em alguns casos, o voto da própria comunidade nas consultas públicas que elegeram os diretores. Mas a implantação do ensino híbrido de forma definitiva – que a instituição insiste em denominar EAD – ficou restrita à discussão no Conselho de Graduação (Cograd)”, argumenta.

Edelberto avalia que a instância não tem priorizado o debate interno, com decisões autocráticas. “Este conselho aprovou a transformação total do regime de trabalho, nos estertores do ano passado, sem qualquer debate amplo e aberto com a comunidade. Ao contrário de outras IFEs, o ensino remoto emergencial fora implantado entre nós sem a devida prudência. O que resultou em um fracasso completo no processo de ensino/aprendizagem durante a pandemia”, pontua o professor.

Na avaliação do professor Dr. Alexandre Meira de Vasconcelos, representante do sindicato no Conselho Universitário (CoUn), “toda e qualquer alteração nos serviços públicos em geral são bem-vindas por governos neoliberais quando é tratada puramente como custo”. Alexandre explica que, para a ideologia neoliberal, “a educação não é um bem ou um direito para os governantes, mas um peso financeiro porque a despesa de pessoal é grande e o impacto de nossas ações não se percebe no curto prazo, como é o caso dos serviços de saúde ou segurança”.

O professor destaca que, para o neoliberalismo, a qualidade do ensino e a produção científica são menos importantes do que o lucro. “A lógica deles é a seguinte: ‘A despesa está alta com a educação, então vamos reduzir custos’. Por esse viés, o professor é um problema, porque é a maior fonte de despesa. Produzir diplomas (não educação) em massa, pelo EaD, é mais barato do que produzir pelo ensino presencial, embora este último seja comprovadamente mais eficaz pelos indicadores oficiais do MEC (Enade, por exemplo) e pela empregabilidade dos egressos”.

Alexandre chama a atenção para o fato de a ampliação da EaD não representar qualificação profissional. “O chamado ‘mercado’ implora por pessoas qualificadas, mas não são os nossos alunos, pois os nossos estão empregados em sua maioria, quando comparados aos que se formaram em instituições privadas. O problema não está em nós e não precisamos necessariamente ofertar EaD. Devemos tê-la como opção de ferramenta pedagógica e não como um fim em si mesma”, pontua.

“Existe a mania, vício ou má índole de culpar os professores pelos males da educação nacional, mas o problema não está em nós. Desde sempre as universidade públicas formam as cabeças pensantes deste país, tanto que muitos são cooptados por universidades estrangeiras que oferecem não somente salário digno, mas oportunidades de trabalho e condições estruturais adequadas”, destaca o docente. “O discurso de que a educação que se oferece na universidade pública é insuficiente para atender o mercado é que abre espaço para que pessoas mal-intencionadas inventem alternativas mirabolantes para resolver o problema da educação”.

Para Alexandre, a adesão das universidades públicas à EaD não é solução para os desafios da educação e, pelo contrário, são as instituições privadas que precisam reavaliar a qualidade de seu ensino e pesquisa. “O movimento pela EaD toma força e já é realidade em mais de uma centena de universidades públicas brasileiras. São colegas que por boa ou má fé entram nessa cilada de que é preciso melhorar os indicadores educacionais das universidade públicas e que o EaD é a resposta. Ora, por que não ser mais rigorosos com as universidades privadas por não ofertarem cursos com a mesma qualidade dos nossos?”, questiona.

“Seguindo o raciocínio raso centrado no corte de custos, os cursos de licenciatura e todos aqueles que podem ser ministrados presencialmente de forma puramente teórica – não que isso seja correto do ponto de vista da formação do sujeito, mas é correto do ponto de vista legal e operacionalmente possível – são uma grande oportunidade para ofertá-los neste tipo de modalidade”, explica Alexandre. “São cursos que não necessitam obrigatoriamente de atividades laboratoriais, como os cursos da saúde em geral, e não oferecem uma resistência institucional, nem dos órgãos de representação profissional, que seja suficiente para impedir o avanço do EaD”, finaliza.

Elitismo

De acordo com Edelberto, tal política em um país desigual como o Brasil é uma forma de dificultar o acesso da classe trabalhadora ao ensino. “Vendida como inclusão digital e inovação tecnológica, a denominada EAD se vincula ideologicamente aos postulados do empreendedorismo e da inovação”, aponta. “Em um país onde a renda de 70% da população não ultrapassa dois salários mínimos, vender a ideia de que o aluno pobre é responsável individualmente por sua condição social é de uma falsidade ideológica e de uma violência social atrozes”, conclui o professor.

Esta é a mesma avaliação de Alexandre, para quem “o principal retrocesso ao se adotar o EaD como prática prioritária em determinados cursos é que as pessoas mais pobres, sem acesso à tecnologia e sem uma formação básica com qualidade, serão alijadas do acesso ao ensino superior”. O professor ressalta que, desta forma, “a universidade pública deixa de cumprir seu papel de distribuir educação com qualidade a todos os setores da sociedade, atendendo somente a uma casta branca e privilegiada”.

Perda de autonomia

A forma como a Educação a Distância tem sido implementada e seus critérios de avaliação também se chocam com a autonomia docente. Sobre este fator, Edelberto destaca que “a normativa de n. 01 da Agead, de 11 de abril de 2022, institui uma comissão interdisciplinar para avaliar a pertinência ou não do material didático produzido nas disciplinas com carga horária parcial ou total em EAD, estabelecendo inclusive regras e notas para a avaliação do conteúdo”.

O professor do Cpaq conclui que, desta forma, “de uma só vez, a instituição passa por cima da autonomia administrativa do colegiado – que teria a função de avaliar os planos de ensino das disciplinas do curso – e da autonomia didático-pedagógica do corpo docente que terá que se adequar às limitadíssimas regras instituídas a priori para realizar seu trabalho”.

Para ler as duas entrevistas na íntegra, acesse os arquivos abaixo:

Entrevista — Alexandre M. de Vasconcelos

Entrevista — Edelberto Pauli Jr.