A UFMS publicou, nesta quarta-feira (19 de abril), a Resolução n. 255, em que recomenda que docentes não apliquem provas ou atividades avaliativas nesta quinta-feira (20 de abril), nos cursos de graduação e pós-graduação em todos os campi da Universidade.
A medida se deu após sugestão da Adufms, por meio do Ofício n. 8/2023, enviado na mesma data, assinado pelo presidente da seção sindical, o professor Dr. Marco Aurélio Stefanes. A Resolução do Conselho Universitário estabelece que, caso haja avaliações, elas serão repostas em data posterior, para não prejudicar estudantes que não puderem comparecer na referida data.
A solicitação foi feita a pedido de estudantes, que têm manifestado seu temor em relação a ameaças referentes ao dia 20 de abril. A instituição informou o aumento da segurança na data, com presença de agentes estaduais e federais à paisana em todas as unidades da Universidade. Anteriormente, a Adufms havia enviado o Ofício n. 6/2023, solicitando a averiguação e adoção de medidas a respeito de mensagens compartilhadas entre estudantes do Campus de Três Lagoas (CPTL).
As ameaças que envolvem a data foram espalhadas por todo o Brasil em redes sociais e grupos de WhatsApp. Um levantamento feito pela agência Lupa e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelou que, entre os dias 9 e 10 de abril, houve uma crescente nos registros de ameaça.
A conclusão da pesquisa é que as ações se deram de forma coordenada para gerar pânico. 20 de abril de 1999 foi a data em que ocorreu o massacre na escola estadunidense Columbine, que gerou uma série de outros ataques naquele país. Uma pichação realizada na Universidade Paulista (Unip) foi postada em grupos de diferentes universidades de todo o Brasil, com mensagens que afirmavam que a inscrição havia sido realizada nas respectivas instituições de ensino superior (IES).
A Assessoria de Comunicação da Adufms conversou com Letícia Oliveira, jornalista investigativa e uma das autoras do relatório “Monitoramento das ameaças massivas de ataques às escolas e universidades: o papel das subcomunidades online que cultuam atiradores em escolas e sua relação com os boatos que produziram pânico generalizado no Brasil a partir do dia 09/04/2023“.
“A gente percebeu que as ameaças foram feitas de forma coordenada, mas houve uma diminuição, caíram para 10% nesta semana”, aponta Letícia. “Os próprios números do Ministério da Justiça confirmam. Na semana passada, o [ministro] Flávio Dino disse que foram 1.700 denúncias; já no início desta semana, foram só 170 denúncias”.
Relação com neonazismo
Entre os conteúdos compartilhados em grupos e inscrições realizadas em paredes de universidades, houve menções ao neonazismo e uso da cruz suástica, símbolo do partido do ditador alemão-austríaco Adolf Hitler. Além de Columbine, 20 de abril também é a data de aniversário do líder nazista.
Para Letícia, que também ajudou a elaborar o relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, o neonazismo não é um fator central entre os jovens que cultuam autores de massacres em escolas, mas sua simbologia costuma ser utilizada para gerar pânico.
A jornalista investigativa aponta que tanto o uso de referências neonazistas, quanto as ameaças a instituições de ensino superior, dificilmente partiriam da comunidade organizada da qual os autores de massacres mais recentes faziam parte. “É uma comunidade de adolescentes que ainda estão na escola, então acho muito difícil ter partido deles, embora o discurso de ódio propagado nessa comunidade tenha influência clara da extrema-direita”, pontua.
“A gente não vê tanta referência ao aniversário de Hitler”, afirma a pesquisadora sobre os grupos e fóruns monitorados. “Esse referencial parece ser só para causar pânico. A influência do nazismo é mais tangencial, não é aprofundada, é restrita a símbolos como a suástica, que nem é usada por grupos neonazistas, já que é criminalizada no Brasil. A gente não vê tantas referências históricas, mas a atiradores que eles cultuam”, aponta.
Ainda assim, Letícia Oliveira alerta que não é possível saber se as ameaças realmente têm teor recreativo – ou seja, com intuito de “pregar peça” – ou se realmente têm contundência, já que partem de autores até o momento desconhecidos. “Não tem como saber, teria de haver uma investigação. A gente pode não ter esses ataques, mas estamos lidando com um trauma muito forte”, prossegue. “É uma comunidade de glorificação a assassinos, atiradores em massa e supremacistas brancos, então essa influência existe, mesmo que esses meninos não se aprofundem na ideologia nazifascista”.
Estudantes da UFMS formaram um grupo, autointitulado Núcleo Antifascista (NAF), para realizar ações contra a apologia ao neonazismo e neofascismo na instituição. Em seu manifesto, o NAF pede que a comunidade acadêmica realize uma ação de boicote nesta quinta-feira. “As respostas obtidas pela instituição universitária não condizem com uma análise e medidas de atuações que priorizem a seguridade de toda comunidade acadêmica”, diz um dos trechos.
Uma estudante, que colaborou na elaboração do manifesto, afirma que símbolos e frases em alusão ao antifascismo que o grupo espalhou pelo Campus Cidade Universitária foram rasurados, retirados e substituídos por referências ao nazismo. A veiculação da cruz suástica para fins de propagação do nazismo está tipificada como crime, no Brasil, pelo Artigo 20 da Lei 7.716/1989, no inciso § 1º, com pena de dois a cinco anos de cadeia.
Embora a lei trate especificamente deste símbolo, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 2003, que a apologia ao nazismo está classificada como crime de racismo e não pode ser justificada pelo argumento de liberdade de expressão. Na ocasião, julgava-se se o escritor neonazista Siegfried Ellwanger Castan deveria ou não ser condenado por seus escritos contra a comunidade judaica e em favor do regime de Adolf Hitler.
Norberto Liberator (Assess. de Comunicação)