Estudantes trans reivindicam políticas de inclusão na UFMS

Pessoas transgênero e travestis que estudam na UFMS têm reivindicado a garantia de seus direitos e a ampliação de políticas que façam do ambiente acadêmico um espaço mais acolhedor. Embora a instituição tenha adotado banheiros neutros no início deste ano, há demandas por parte da comunidade trans por mais políticas de diversidade. A UFMS não possui um sistema de autoidentificação e uso de nome social na matrícula – direito garantido desde 2016 –, nem há dados de quantas pessoas trans há na instituição. Outra demanda é a ampliação dos banheiros inclusivos, que no momento são apenas dois.

Francis de Oliveira, acadêmico de Artes Visuais, tem se mobilizado para que a universidade garanta políticas para a permanência e acolhimento de estudantes trans. Para isso, juntou-se a colegas para buscar a Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (Proaes) e discutir a viabilidade dos banheiros inclusivos. “Inicialmente o Cell – que também é uma pessoa trans não-binária de Artes Visuais – e eu tivemos a iniciativa de procurar a Proaes para ver se teria como serem criados os banheiros neutros”, afirma.

“No começo do último semestre, nós sofremos transfobia ao utilizar o banheiro masculino do bloco VIII, e se tornou cada vez mais difícil estar naquele ambiente, sem a possibilidade de usar um banheiro e não sofrer violência”, explica Francis, que participou da fundação do Coletivo Transvestigênere, cujo objetivo é debater e levar demandas da população trans à Reitoria. O grupo, liderado por Francis de Oliveira e Cell Ventorim, passou por uma pausa nas atividades durante as férias e avalia a possibilidade de mudança de nome*.

O estudante afirma que um dos problemas enfrentados é a atuação de grupos que pretendem barrar direitos de minorias. “Dentro da universidade existem pessoas super conservadoras, que acabam prejudicando o andamento das nossas solicitações”. Francis acredita que uma mudança neste sentido poderia ocorrer com “o oferecimento de treinamentos e palestras aos funcionários sobre como tratar nossas demandas, ministrados por pessoas trans – não só no mês da visibilidade LGBTQIA+”.

Alice Louveira Soares, que também cursa Artes Visuais, afirma que, embora os banheiros tenham ajudado, a pouca quantidade ainda dificulta o uso para estudantes que estudam em blocos mais distantes das instalações. “Senti sim uma mudança positiva em relação aos banheiros. Conheço bastantes estudantes trans e travestis. A questão dos banheiros sempre foi um problema pra nós. Ainda precisamos de mais banheiros neutros pois muitos desses e dessas estudantes precisam andar muito para conseguir usar um dos dois banheiros neutros que temos”.

Além da falta de políticas mais amplas, Alice também destaca a represália que ocorre por parte de pessoas que defendem a negação aos direitos dessa população. “Além de poucos banheiros neutros, ainda temos que lidar com estudantes cisgênero que usam o banheiro apenas para deixá-lo todo sujo. Tivemos casos de pessoas urinando nele inteiro. Tem a também questão de professores extremamente transfóbicos e a falta de cotas para a população trans”.

Nome social

Uma das principais reivindicações da comunidade trans é a utilização, em documentos oficiais, de seu nome social – ou seja, do nome que utilizam de acordo com sua identidade de gênero. Em muitos desses documentos, as pessoas precisam utilizar o nome morto, ou seja, o da certidão de nascimento, o que pode levar a situações de constrangimento. No momento da matrícula, assim como em solicitações de auxílio e no diploma, o padrão de utilização é o do nome morto, havendo necessidade de requerimentos para fazer a alteração. A Resolução CNCD/LGBT 12/2015, do governo federal, estabelece que o nome social deve ser utilizado, nesses casos, com destaque igual ou maior do que o nome de registro.

A utilização do nome social em instituições públicas e em estabelecimentos de ensino é um direito sancionado. O Decreto Presidencial Nº 8.727/2016, baixado pela presidenta Dilma Rousseff, dispõe sobre a garantia do uso do nome social no âmbito da administração pública federal. Em 2015, uma portaria da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal determinou o reconhecimento da identidade de gênero de estudantes do ensino fundamental às pós-graduações, e que o campo “nome social” deve ser incluído em todos os formulários e dados de informação.

Francis de Oliveira explica que, devido à falta de transparência da instituição sobre como solicitar o uso do nome, coube ao Coletivo Transvestigênere orientar sobre o procedimento. “Por termos estabelecido essa relação com a Proaes, nós decidimos fundar o coletivo para discutir nossas demandas, e também para realizar o acolhimento de novos alunos trans, explicando como fazer a solicitação do uso de nome social”, diz o estudante. A adoção do nome social em documentos oficiais é uma demanda ainda em processo. No diploma, por exemplo, é utilizado o nome de registro. “Quem não tem condições de retificar seus documentos vai receber um diploma com o nome morto apenas”, afirma.

Estudantes apontam que o processo costuma ser demorado e cansativo, e reivindicam um sistema que facilite essa identificação, com a inclusão da opção pelo uso do nome social. Francis explica que algumas ações necessárias seriam “a divulgação e o acesso ao nome social, de forma mais simples e eficaz nos sistemas da universidade; a possibilidade de assinalar, já na matrícula, os pronomes utilizados pelos alunos”. O acadêmico também ressalta outras reivindicações, como a utilização dos nomes sociais nos pedidos de assistência estudantil, o que não ocorre atualmente.

Alice acredita que a instituição não se preocupa com políticas de inserção e acolhimento. “A UFMS simplesmente não se importa com nome social. Todos os anos, estudantes trans que entram na UFMS não têm o direito do uso do nome social garantido, mesmo já selecionando esse uso na matrícula. Eu mesma precisei faltar uma semana e meia de aula, porque não estavam usando meu nome”, explica.

A estudante precisou insistir e recorrer a uma pró-reitoria para ter seu pedido atendido. “Depois que fiz minha matrícula com o requerimento de uso do nome social, o nome não foi usado. Os professores me disseram que ia demorar para resolver, então era melhor eu esperar”, conta. “Fui na Faalc pedir para resolverem e, além de ser tratada pelos pronomes errados, mesmo eu estando lá para exigir o uso do nome social, eles não me ajudaram, disseram que iriam mandar um e-mail para a Agetic”.

Alice explica que, para usufruir de seu direito, teve de lidar com o descaso. “Passaram-se quatro dias, eu não estava indo às aulas durante esse tempo por conta do nome na chamada. Fui mais uma vez à Faalc para descobrir que, na verdade, o cara não tinha nem mandado o e-mail para a Agetic, então fui até lá e eles também me enrolaram. Só depois de tudo isso fui atrás de uma Pró-Reitoria”.

Cotas

A UEMS incluiu, em julho, a população transgênero no sistema de cotas da pós-graduação, criando uma reserva de vagas de 5% para travestis e transexuais. Francis de Oliveira acredita que, na UFMS, o tema das políticas afirmativas ainda é pouco debatido. “Seria incrível podermos contar com cotas para a população trans, só que ainda parece algo muito distante para nós da UFMS. Como nós temos observado, essas questões são melhor recebidas no âmbito estadual, e é por isso que nossa universidade não avança”.

A Comissão de Cotas da UFMS foi criada em 2012, sendo formada por representantes do corpo docente, da gestão da instituição, dos estudantes e do Conselho Estadual dos Direitos do Negro (Codine/MS). A Lei de Cotas (12.711/2012) foi sancionada naquele ano, durante o mandato de Dilma Rousseff, contemplando alunos oriundos de escolas públicas e, dentro desta categoria, estudantes negros, indígenas e com deficiência.

Não há uma legislação federal que determine cotas para pessoas trans em instituições públicas de ensino superior. Entre as universidades federais, nove instituições adotam a política para cursos de pós-graduação. Três federais possuem cotas para estudantes transgênero já na graduação: a do ABC paulista (UFABC), da Bahia (UFBA) e do Sul da Bahia (UFSB).

 

*O Coletivo Transvestigênere, liderado pelos acadêmicos Francis de Oliveira e Cell Ventorim, posteriormente passou a ser denominado Coletivo Transpor
(Matéria editada para inclusão de informações)