
Formado em Arquitetura e Urbanismo, Tiago Eloi sempre se interessou pela cidade, não apenas como espaço físico, mas como um organismo social em constante transformação. A curiosidade sobre as dinâmicas urbanas o levou a atravessar fronteiras. Hoje, como mestrando em Antropologia pela UFMS, sob orientação do professor Guilherme Passamani, ele desenvolve uma pesquisa que observa de perto a relação entre o comércio de alimentos orgânicos e agroecológicos e o modo como Campo Grande se organiza, se alimenta e se transforma.
O interesse por essas relações surgiu ainda em suas experiências profissionais, quando trabalhou com o Projeto Rural Sustentável, do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS). Acompanhando dias de campo em assentamentos rurais do Mato Grosso do Sul, Tiago começou a perceber que os problemas que envolvem a produção e o consumo ultrapassam as porteiras. “Foi uma oportunidade para conhecer o campo, o rural, e perceber as dificuldades da produção, mas principalmente do comércio dos alimentos”, conta. A vivência o aproximou das realidades da reforma agrária e o levou a enxergar o espaço urbano com novas lentes, as da antropologia.
No mestrado, Tiago se debruça sobre feiras e pequenos grupos que comercializam produtos orgânicos e agroecológicos em Campo Grande, como as que acontecem na Praça do Rádio e no estacionamento da Prefeitura. Sua pesquisa investiga como esses produtores, muitos vindos de assentamentos ou áreas remanejadas, constroem dentro da cidade do agronegócio espaços de resistência e novas formas de consumo. “É uma contradição interessante”, explica, “porque Campo Grande é uma cidade marcada pela especulação imobiliária e pelo agronegócio, e mesmo assim tem pequenos produtores ocupando o centro com alimentos agroecológicos.”

Esse olhar sobre o urbano e o rural chamou a atenção da professora Eugênia Portela, da Faculdade de Educação da UFMS (FAED), coordenadora do edital Abdias do Nascimento, que incentiva o estudo e intercâmbio acadêmico de pesquisadores prioritariamente negros, indígenas e de grupos historicamente sub-representados. Convidado por ela e por Passamani, Tiago decidiu se candidatar quando o programa foi ampliado também para estudantes de Antropologia, ingressando como cotista, fora do grupo prioritário. “Eu sabia do edital, mas não tinha me inscrito inicialmente, porque era voltado prioritariamente para pessoas negras ou indígenas. Depois que foi estendido e com opção de cotas, a professora Eugênia me chamou, junto com o Guilherme, e me incentivaram a participar”, relembra.
O processo envolveu o envio de currículos, histórico acadêmico e projeto de pesquisa para a CAPES. Hoje, Tiago está em Riohacha, na Universidad de La Guajira, onde permanecerá por seis meses desenvolvendo atividades em parceria com docentes e estudantes colombianos. A experiência faz parte de um esforço maior de internacionalização latino-americana do programa coordenado por Portela, que busca ampliar o debate sobre acesso e permanência de populações negras e indígenas no ensino superior.
Ao chegar a La Guajira, Tiago percebeu de imediato as diferenças e semelhanças com o Brasil. “A universidade tem uma presença muito grande de povos originários. O povo Wayuu está muito presente aqui. Mesmo quem não é Wayuu tem traços indígenas ou negros, o que é bem diferente do Brasil, onde há mais pessoas brancas”, observa. A experiência, segundo ele, reforça a importância de pesquisas como a da professora Eugênia, voltadas a mapear o acesso de pessoas negras e indígenas às universidades brasileiras.

Para Tiago, o intercâmbio vai além das comparações estatísticas. “O que mais agrega é entender as diferenças culturais, educativas e de oportunidades, tanto de acesso quanto de permanência. Aqui, em La Guajira, as políticas de inclusão são muito visíveis. É uma realidade latino-americana parecida com a nossa, mas em outro contexto.”
Ele acredita que a vivência na Colômbia pode inspirar práticas e políticas no Brasil. “É uma troca cultural, informacional e de políticas públicas de acesso e permanência desses povos”, afirma. “Podemos trazer exemplos que funcionam aqui e levar ideias do Brasil que dão certo lá. É uma forma de fortalecer o Sul Global, de olhar para nós mesmos como América Latina.”
As expectativas para os próximos meses são otimistas. “O processo de internacionalização faz a gente entender nós mesmos, entendendo o outro. Mas uma internacionalização latino-americana, marcada por histórias de colonização e resistência, ajuda a fortalecer nossos laços. Brasil e Colômbia são países amigos, com histórias semelhantes, e essa parceria é uma oportunidade de fortalecimento mútuo”, diz.
Com a serenidade de quem reconhece o valor de cada passo, Tiago encara a viagem como uma ampliação de horizontes, pessoais e coletivos. A experiência na Colômbia simboliza não apenas uma conquista individual, mas o fortalecimento de um projeto maior: o de uma academia mais diversa, conectada e comprometida com a construção de pontes entre o Brasil e a América Latina.

